sábado, 31 de janeiro de 2015

Confronto sem vencedor

   
Em 10 de dezembro o mundo comemorará 66 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na História da Humanidade sempre houve excluídos da capacidade de ter direitos. Na Roma Antiga, havia direitos para romano e gentio. Mas, ao ‘homo sacer’ não era assegurado qualquer direito. Se alguém matasse um cachorro deveria indenizar seu dono.
  Mas, a morte de um ‘homo sacer’ não propiciava qualquer responsabilização.No Brasil os negros escravizados eram considerados coisas, tal como mercadorias. Na Alemanha nazista as violações recaíram sobretudo sobre os judeus. Os horrores do nazismo nos levaram a restringir o poder do Estado e a considerar que todo humano é titular de um conjunto mínimo de direitos. 
 Dos princípios declarados temos que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos; dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
 Na contramão do direito internacional e da Constituição o governador criticou os grupos que atuam na defesa dos direitos humanos no Rio e propôs pena mais severa para quem matar policial. O governador já propusera um código penal estadual, mas ignora que policiais são mortos em razão da política de segurança militarizada, que expõe indevidamente a vida de policiais num confronto do qual ninguém sairá vencedor. Todos perderão.
 A morte de praças colocados em situação de vulnerabilidade torna mais acentuada a sensação de insegurança e propicia ações individuais marcadas pelo sentimento de vingança. É a ineficácia da política de confronto que submete praças à truculência e os expõe à morte. Mas para quem a ordena pouco importa se morre um policial, um traficante ou um trabalhador. 
 Afinal, policiais são desrespeitados cotidianamente em seus direitos e começam a morrer ainda no treinamento para ingresso em razão dos maus-tratos a que são submetidos na escola de formação.O que se tem no presente momento é a difusão da sensação de violência, do desejo de vingança e da cultura da truculência, em contraposição à concepção de fraternidade que haveria de nos nortear para um mundo melhor. Daí o ataque aos direitos que nos são comuns a todos e às pessoas e instituições que os defendem. Maior pena para quem mata policial não retira a dor das mães, viúvas e filhos de quem morre. É preciso atuação competente para implantar política de segurança eficaz que não mate policiais.
 *João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de DireitoFonte: O Dia

A teoria do risco na responsabilidade ambiental

  Temos articulado em nossas colunas os aspectos que amparam à necessidade de se destacar a responsabilidade objetiva. Chegou o momento de realçarmos a sua adoção no Direito Ambiental diante da importância de se dotar mecanismos de permanente defesa aos recursos naturais coibindo atuações predatórias que podem tornar impraticável a conservação ambiental. 
 Como sabemos, o art. 14, parágrafo Iº, da Lei 6.938/81, que instituiu a política nacional do meio ambiente e foi recepcionado na Carta Magna de 1988, em seu parágrafo 3o do art. 225, adotou a responsabilidade objetiva sempre que se verificar danos ecológicos. Desta maneira quis o legislador que o dever de indenizar os prejuízos causados à natureza fosse imputado ao poluidor independentemente de ter atuado ou não culposamente. 
 Basta assim, a conduta contraria ao direito e os danos decorrentes de suas atividades causando a degradação ambiental.E de pleno conhecimento que muitos doutrinadores entendem que para se caracterizar a responsabilidade necessária são os seus três elementos fundamentais: culpa nexo causal e prejuízo. Com o advento da teoria objetiva na responsabilidade, aboliu-se o elemento subjetivo, sendo suficiente a demonstração do nexo causal e do desfalque patrimonial ou os danos morais causados para se imputar a responsabilidade do autor do fato danoso. Na responsabilidade objetiva o que se tem em conta não é o comportamento do agente, a sua intenção quanto ao resultado, mas tão somente os danos verificados como consequência desta conduta.Inclusive, muitas vezes a atividade exercida pelo empreendedor está em consonância com critérios fixados pela Administração. 
 No entanto, a própria natureza de determinados empreendimentos podem levar à ocorrência de danos muitas vezes irreversíveis. Logicamente que aí o dever de assumir os prejuízos causados vai ser decorrente do risco da atividade exercida a benefício de seu autor. O risco, portanto, é o fator que prepondera na obrigação assumida pelo agente. Como já demonstramos em momentos diversos, a teoria do risco tem como lastro a probabilidade de se verificar a ocorrência de danos que vindo a acontecer, faz com que assuma a responsabilidade aquele que exerceu atividades em seu próprio benefício, visando às vantagens decorrentes desta atuação.Sempre levando em conta que o dano ecológico resulta de um comportamento lesivo à conservação e renovação dos recursos naturais é de clara evidência que se contemple mecanismos adequados para evitar os danos ambientais, muitas vezes, inclusive, em caráter preventivo. 
 Na verdade, e infelizmente não podemos deixar de anotar, o dano é causado por condutas predatórias visando vantagens na extração dos recursos naturais e que em muitas situações tem presente o caráter da irreversibilidade. Diante destes esclarecimentos o que temos por pretensão é justamente enfocar a noção do risco e a teoria que teria sido adotada em nossa legislação ambiental.Devemos de início, salientar que várias são as classificações quanto às teorias do risco. 
 Em nosso entendimento, as que de certa forma tem mais potencial para se analisar em relação ao dano ecológico seriam as do risco criado, risco integral e risco administrativo. A do risco criado tem consonância com o próprio exercício pelo empreendedor de atividades cuja sua natureza já traz em si um evidente potencial de verificação de resultados danosos por sua aplicação. Quando se fala nesta teoria leva-se em conta o desempenho de uma atividade por si só dotada de alto nível de perigo. Nelas se incluem a guisa de exemplo, as que atingem as condições sanitárias imprescindíveis à saúde, as que contêm alta dose de periculosidade na utilização de fontes energéticas, inclusive nucleares, entre outras.
 Já a teoria do risco integral, que para muitos foi adotada na defesa do meio ambiente, tem uma visão muito mais ampla por não permitir as excludentes da responsabilidade como o fato exclusivo da vítima na verificação do dano, fato provocado por terceiros, bem como o caso fortuito ou força maior. Muitos autores, por outro lado, ao entenderem que sua justificativa é o fato do agente assumir integralmente o risco ao exercer a atividade nociva em seu total interesse, afastam o nexo causal como elemento de sua composição.
 O risco administrativo tem por lastro a Constituição Federal que caracteriza a responsabilidade da Administração Pública por danos decorrentes de atos praticados por seus agentes. 
 Evidente que esta teoria tem grande repercussão no dano provocado à natureza, pela conduta de seus servidores.Fácil é concluir que a teoria do risco tem desdobramentos que estão adequados aos fatos lesivos ao meio ambiente.
 *O desembargador Sidney Hartung Buarque é presidente da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Civil, presidente do Conselho Consultivo da Escola Superior de Administração Judiciária (Esaj) e professor titular da Emerj. Fonte: Monitor Mercantil    

Cláusulas de exclusão do nexo causal

  Tem sido defendido por muitos, embora ocorram divergências na jurisprudência e na doutrina, que as excludentes da responsabilidade não devem ser adotadas quando houver o dano ambiental. 
 Neste aspecto de maior relevância, mais uma vez apresentamos o entendimento do ilustre professor José Afonso da Silva ao lecionar que “não libera o responsável nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas de direito de terceiros; nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, está ou não causando dano” (Direito Ambiental Constitucional – 8ª edição – 2010 – pag.317).
 Este posicionamento, em nosso entender, é o que mais se justifica diante das implicações à coletividade e ao equilíbrio ambiental da degradação causada por estas atividades. Mas nossa abordagem sobre a responsabilidade ambiental não estaria completa se deixássemos de tecer alguns comentários sobre as excludentes de responsabilidade, embora como acentuamos muitos entendem inaplicáveis ao dano ambiental.
  Neste aspecto, vamos recordar entendimento que apresentamos sobre esta matéria, levando-se em consideração, inclusive, o nosso atual código civil, deixando, contudo, para uma análise posterior as excludentes de ilicitude, que ao amparo da lei, seriam o exercício regular de um direito, a legítima defesa e o estado de necessidade.Entendemos de maior evidência ressaltar e dar o devido alinhamento às denominadas “cláusulas de exclusão do nexo causal”, cuja finalidade é a isenção da responsabilidade que vai se verificar de fato exclusivo da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior. Note-se que o nexo causal, que é componente da responsabilidade civil, caracteriza-se como o liame entre a conduta realizada, de cunho comissivo ou omissivo, e o resultado causado pela ilicitude da ação do autor do fato. 
  Destaca-se na doutrina, notadamente do eminente professor Sérgio Cavalieri, que a relação causal tem por base o vínculo entre determinado comportamento e o evento. Assim se impõe se o resultado surge como decorrência natural da conduta voluntária do agente. Acentue-se, também, que o nexo causal é elemento inafastável de qualquer das formas de responsabilidade civil.Em primeiro lugar, destaco a “culpa exclusiva da vítima”, também denominada “fato exclusivo da vítima”, pois, na verdade, a questão merece desate através do nexo causal e não da culpa. Desta forma, por evidência, há ruptura do nexo causal se o procedimento da vítima é a única causa que gerou o evento. Por sua vez, a exclusão do nexo causal é consequência do fato de que, se não houvesse a vítima realizado determinada conduta, o fato não se verificaria. 
 Também ocorre isenção da responsabilidade se o fato for praticado por terceiro como causa exclusiva do evento. Esta circunstância, por si só, já faz cair por terra qualquer relação de causa e efeito entre o comportamento daquele que teria sido o agente e o dano causado à vítima. Ainda como causa de exclusão da responsabilidade, melhor dizendo, ausência do nexo causal, tem-se o caso fortuito ou força maior. 
 No atual Código Civil, a matéria é disciplinada pelo art. 393, que consigna expressamente que o devedor não responde por prejuízo resultante de caso fortuito ou força maior, se expressamente não houver por ele se responsabilizado.Embora a lei não faça distinção entre fortuidade e força maior, a doutrina se empenha em reconhecer diferenças entre os institutos, embora totalmente irrelevante para o efeito de exclusão da responsabilidade. Muitos entendem que, no caso fortuito, há imprevisibilidade ou impossibilidade de se prever o fato, enquanto, na força maior, como a denominação já anuncia, há ocorrência de forças incontroláveis, situações que venham a causar o resultado, como em uma tempestade de elevado fator destrutivo, ensejando a sua inevitabilidade.
 Lógico que tanto a imprevisibilidade quanto a inevitabilidade não podem ser vistas em caráter absoluto, mas sempre à luz da razoabilidade, para evitar a sua aplicação com danos à vítima. Assim, quando houver a faculdade de se prever o resultado, e este vier a ocorrer, embora pudesse ter sido evitado, não há que se falar em caso fortuito.Como se pode concluir, nem sempre a atuação do agente e o resultado alcançado enseja o dever de indenizar. Desembargador Sidney Hartung Buarque Presidente da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Civil, presidente do Conselho Consultivo da Escola Superior de Administração Judiciária (Esaj) e professor titular da Emerj.Fonte: Monitor Mercantil

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Valor de lavagem de dinheiro chegou a R$ 177 mi, afirma Procuradoria

O Ministério Público Federal calcula que os crimes já denunciados pela força-tarefa da Operação Lava Jato envolvem o desvio de aproximadamente R$ 2,1 bilhões da Petrobras. 
 A estimativa parcial do rombo da corrupção e da lavagem de dinheiro na estatal, feita com base nas acusações formais apresentadas até o momento à Justiça Federal no Paraná, é a primeira divulgada pelos procuradores da República desde o início da operação, em março do ano passado.Números superlativos da Lava Jato foram divulgados ontem pelo Ministério Público Federal em um site criado especificamente para divulgar e reunir informações sobre as ações e inquéritos que tramitam na Justiça Federal em Curitiba. "Trata-se da maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o País já teve", diz um texto introdutório do site.
Os dados foram divulgados um dia depois de a Petrobras apresentar balanço não auditado sem contabilizar as perdas envolvendo a corrupção na empresa apurada pela Lava Jato. O balanço da petrolífera também delimitou a corrupção ao período que vai de janeiro de 2004 a abril de 2012, época em que Paulo Roberto Costa ocupava a Diretoria de Abastecimento da estatal.Além de relacionar o desvio na estatal apurado até o momento, os procuradores da República também estimam em R$ 500 milhões o total já recuperado pelas investidas da força-tarefa. Ações foram abertas pedindo o ressarcimento de cerca de R$ 1 bilhão das empreiteiras na Justiça. 
As investigações da Lava Jato continuam em andamento, e os valores podem aumentar. Até agora, foram instaurados 279 procedimentos, com 150 pessoas e 232 empresas sob investigação. Os procuradores da República que atuam no caso ofereceram 18 denúncias contra 86 pessoas, pelos crimes de corrupção, organização criminosa, lavagem de ativos, entre outros. No total, 12 acordos de delação premiada foram firmados com pessoas físicas.Com relação às seis denúncias da segunda fase da Lava Jato, que envolvem a estatal, empreiteiras e ex-diretores da Petrobras, o valor de lavagem de dinheiro chegou a R$ 177 milhões, segundo a publicação. A maior soma, de R$ 104 milhões, teve origem na "lavanderia" montada entre Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da empresa, e Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como lobista e um dos operadores do PMDB no esquema, conforme relato dos procuradores da República.
 O valor é referente a propinas pagas pelo empresário delator Julio Camargo, da Toyo Setal, ao esquema de Soares e Cerveró pela contratação de navios-sonda na Coreia do Sul, para serem utilizados na África e no Golfo do México.Para concluir as operações, a dupla utilizou offshores e uma empresa de fachada do doleiro Alberto Youssef, uma das peças-chave da Lava Jato e preso desde março.
  As seis denúncias incluem as empresas OAS, Galvão Engenharia, Engevix, Mendes Júnior e Camargo Corrêa. Cerveró e Fernando Baiano também estão presos. Na denúncia apresentada à Justiça Federal contra o ex-diretor de área Internacional da Petrobrás, o Ministério Público Federal sustentou que ele agia como "sócio oculto" do operador do PMDB. Para a Procuradoria, Cerveró violou "os deveres de honestidade, de integridade, de lealdade, de legalidade, de impessoalidade, de transparência".
 A Procuradoria juntou à denúncia contra Cerveró um quadro com as operações de pagamento de US$ 14,31 milhões a partir da conta 2009071 da offshore Piemont Investment Corp., no Banco Winterbothan, no Uruguai. A offshore, segundo a Procuradoria, é controlada por Julio Camargo, que agia como emissário da Setal Óleo e Gás e também foi denunciado.Os repasses foram feitos para as contas indicadas por Fernando Baiano. As transferências têm correspondência em respectivos extratos bancários. Segundo a Procuradoria, conclui-se do conjunto de provas e do depoimento de Julio Camargo que uma dessas contas era diretamente controlada por Cerveró. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

PACIENTE OBTÉM DIREITO A MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO DE NEOPLASIA MALIGNA DE PULMÃO

Decisão do TRF3 obriga União, Estado de São Paulo e Prefeitura de Campinas a fornecer remédios  A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão da 4ª Vara Federal de Campinas que determinou que a União, o Estado de São Paulo e a Prefeitura Municipal de Campinas fornecessem gratuitamente a uma paciente do município o medicamento Erlotinibe (Tarceva), para o tratamento de neoplasia maligna de Pulmão (CID C34.9).O paciente havia ingressado com a ação solicitando o fornecimento do medicamento, na dose de 150 mg ao dia, enquanto durar o seu tratamento, alegando não possuir condições financeiras de obtê-lo. 
 O medicamento não está presente na lista dos remédios distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o mesmo indispensável para o tratamento da doença e sobrevivência do paciente.O pedido de tutela antecipada foi parcialmente deferido, para determinar o encaminhamento prévio da parte autora ao Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) da Unicamp, a fim de corroborar a necessidade e a adequação do medicamento pretendido, sendo integralmente deferido o pedido após a apresentação de laudo indicando como tratamento adequado o uso dos medicamentos Erlotinibe 150 mg ou Gefitinib 250 mg.A partir da consulta, o juiz de primeira instância julgou procedente o pedido, condenando as rés, solidariamente, ao fornecimento do medicamento necessário ao tratamento do paciente (Erlotinibe 150 mg ou Gefitinib 250 mg), pelo período do tratamento, conforme prescrição médica.Após a decisão, o Município de Campinas apelou, pleiteando a reforma da sentença, alegando ser o medicamento em questão de alto custo, sendo a Secretaria Estadual de Saúde o órgão competente para o seu fornecimento.
 Apelou também o Estado de São Paulo, alegando serem as normas constitucionais em questão meramente programáticas, cabendo ao Estado, julgar a conveniência e a oportunidade de seus atos, a fim de não prejudicar o interesse coletivo, sob pena de violação do Princípio da Tripartição dos Poderes, aduzindo, ainda, não estar o medicamento em questão na lista oficial padronizada para dispensação na rede pública de saúde.Já a União, em seu recurso, sustentou a sua ilegitimidade passiva e, quanto ao mérito, não caber ao Poder Judiciário fazer a seleção de prioridades na divisão de gastos com a saúde, mesmo porque a Administração deve respeitar os valores orçamentários que lhe são repassados.Para a relatora do processo no TRF3, desembargadora federal Consuelo Yoshida, ficou comprovada a necessidade dos medicamentos pleiteados, após a análise das ilações a que se chegou a equipe de Oncologia do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que fez um estudo pormenorizado das condições da parte autora. 
 Na decisão, a magistrada apresenta trecho do laudo:“(...) o paciente supracitado foi avaliado pela equipe de Oncologia Clínica do Hospital de Clínicas da Unicamp no dia 12 de agosto de 2013. Apresenta diagnóstico de neoplasia de pulmão (CID 10: C34.9), subtipo histológico Adenocarcinoma, com presença de mutação do Gene EGFR, estagio IV. Consideramos indicado o uso de medicamentos inibidores de Tirosina Kinase, tais como ERLOTINIB, 150 mg, ou GEFITINIB, 250 mg, por via oral, um comprimido ao dia, por tempo indeterminado, até progressão da doença ou toxicidade limitante”.A desembargadora salienta que o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-Membros e Municípios, de modo que, qualquer uma dessas entidades têm legitimidade para figurar no polo passivo de ação que visa à garantia do acesso a medicamentos para pessoas que não possuem recursos financeiros.“Entendo que a recusa no fornecimento do medicamento pretendido pela apelada implica desrespeito às normas que lhe garantem o direito à saúde e, acima de tudo, o direito à vida, direitos estes indissociáveis, razão pela qual se mostra como intolerável omissão, mormente em um Estado Democrático de Direito”, enfatizou Consuelo Yoshida.A decisão apresenta precedentes jurisprudenciais do STF, STJ e do próprio TRF3.Apelação/ Reexame necessário nº 0006388-58.2013.4.03.6105/SPAssessoria de Comunicação Social do TRF3  

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

ONU lança Década Internacional para os Afrodescendentes

A ministra Luiza Bairros (Igualdade Racial) manifestou sua satisfação pelo lançamento da Década Internacional dos Afrodescendentes, durante coletiva de imprensa na quarta-feira (10/12), em Nova York.“Consideramos uma ocasião propícia para que todos os países membros das Nações Unidas renovem seu compromisso com a igualdade racial no mundo”, declarou a chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR.Segundo Bairros, no Brasil - onde vivem cerca de 100 milhões de afrodescendentes - tem melhorado a situação desse segmento nos últimos anos, a partir de um maior acesso à educação e ao emprego, graças aos programas governamentais.“Precisamos de um planeta onde predominem o reconhecimento, a justiça e o desenvolvimento para todos os seres humanos”, afirmou, por sua vez, a responsável pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre as pessoas de Descendência Africana, Mireille Fanon-Mendes.Na coletiva de imprensa pelo lançamento da Década, a especialista lamentou que muitos são marginalizados, invisibilizados e sofrem penúrias econômicas e sociais de maneira permanente, devido à cor negra de sua pele.De acordo com a também integrante do Grupo de Trabalho, a jamaicana Verene Shepard, o objetivo de dedicar o decênio 2015-2024 aos afrodescendentes é concluir o mesmo em uma situação bem diferente da atual. “Temos esperanças de conseguir mudanças importantes ou, pelo menos, dar passos nesta luta contra o racismo e a xenofobia”, afirmou.Shepard recordou que o problema da discriminação é muito complexo, por ter suas raízes em séculos passados, em fenômenos como a colonização e a escravidão.A especialista assinalou que a educação e o fortalecimento da justiça representam pilares para reverter o cenário de abusos em que vive grande parte dos afrodescendentes, inclusive onde constituem a maioria da população."Como disse, o assunto é bem complexo, e passa por questões tão elementares como deixar de considerar os negros uma ameaça quando cruzam as fronteiras ou quando enfrentam o crime", sublinhou.Fonte: Prensa Latina Recomendar esta notícia via e-mail: Campos com (*) são obrigatórios. Seu nome* Seu e-mail* Nome do destinatário* E-mail do destinatário* Comentários: 

Escolas ainda rejeitam alunos autistas

Carlos (nome fictício) tentou matricular o filho com autismo no tradicional Colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo. Foi barrado. "Disseram que não poderiam fazer a matrícula porque só aceitavam uma criança (com deficiência) por série", afirmou. Casos assim não são os únicos a serem enfrentados por estudantes com transtorno do espectro autista.   A Defensoria Pública acumula mais de 500 procedimentos administrativos relacionados ao tema. Há ainda um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Estadual (MPE) em março de 2013 que apura a política desenvolvida pela Secretaria Estadual da Educação para crianças e adolescentes com autismo.   Alguns dos episódios foram parar na Justiça. Outros oito casos, como o de Carlos, são investigados pelo MPE. Promotorias de Educação de outros Estados, como Pernambuco e Rio Grande do Sul, também já registraram casos semelhantes. Após dois anos da sanção da Lei Berenice Piana, que garante acesso à educação às pessoas com autismo, continuam os episódios de recusa de matrícula.   Carlos chegou a afirmar que designaria um cuidador para o filho, mas mesmo assim ouviu que precisaria de uma "avaliação de uma comissão interna" do colégio, o que não foi finalizado até o término do prazo para matrículas. A conversa é confirmada em troca de e-mails entre o pai e um funcionário do colégio. A recusa motivou o pai a registrar boletim de ocorrência. Foi a aberto ainda inquérito no Ministério Público Estadual.   O Colégio Marista Arquidiocesano informou que há condições ideais para trabalhar com alunos com autismo em uma escola de ensino regular. "Quando conversamos com as famílias que nos procuram, afirmamos, explicitamente, que o cuidado com a criança não nos permite aceitar aleatoriamente a matrícula, pois isso caracterizaria uma negligência para com o aluno com deficiência. O limite, portanto, não é estabelecido pela escola, mas pelas necessidades das crianças que merecem cuidados especiais."   Em geral, os motivos alegados por colégios para a recusa vão desde a falta de preparo dos professores à impossibilidade de contratar profissionais para o auxílio dos alunos. O descumprimento da lei leva a multa de três a 20 salários mínimos e até perda do cargo.   Nas particulares, a recusa pode configurar crime com pena de até quatro anos de prisão, com base na Lei 7.853, de 1989. "Eles (os pais) estão em uma busca desesperada pela escola. Vão bater de porta em porta", diz o promotor João Paulo Faustinoni, do Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc).   POUCOS PROCURAM A JUSTIÇA   Na Promotoria de Educação do Recife (PE), por exemplo, houve oito casos de recusa de matrícula desde 2013 na rede privada. Segundo a promotora Eleonora Rodrigues, as escolas costumam "criar" regras de aceitar no máximo um ou dois alunos por sala. "Não existe esse fundamento legal."   Eleonora explica que a recusa é "sutil" e dificilmente é levada à Justiça. "É um público muito receoso. Existe falta de cultura no Brasil de se exigir o que está na lei." Apesar dos dispositivos legais, nenhum dos três promotores ouvidos souberam informar se algum diretor ou servidor já foi punido.   Em 2012, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) questionou a obrigação das escolas particulares de atender o aluno com necessidades especiais, alegando que o custo seria repassado à mensalidade. O argumento foi repudiado por entidades ligadas ao direito das pessoas com deficiência.   ENTRAVE DAS 'FILAS' E TRANSPORTE ESPECIAL   Desde 2011, Ana Rita Alves dos Santos não consegue vaga para o filho Caíque, que tem autismo. Na época, o menino que hoje tem 6 anos estava na fila para entrar na creche. Cadastrada há três anos na Secretaria Municipal de Educação (SME), Ana Rita não tem preferência por nenhuma escola. "Parei de trabalhar para cuidar do meu filho, está sendo muito difícil."   A mãe entrou, neste ano, com pedido na Defensoria Pública para cadastrar o filho em uma instituição. A SME disse que o aluno tem prioridade de atendimento no distrito Capão Redondo, mas ainda está em quinto na fila. Ao Estado, a pasta informou que surgiu uma vaga "em 19 de abril", que não foi preenchida. Ana Rita afirmou que nunca foi avisada. Agora, como Caíque cursará o 1.º ano, a mãe deverá fazer nova solicitação.   Para a defensora pública Renata Flores Tibyrissá, coordenadora do Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência, os problemas na rede pública se intensificam. "Eles (os pais) não vão reclamar ou fazer boletim de ocorrência contra a escola pública. Eles vêm pedir uma vaga, não importa onde."   Neste ano, Renata defendeu dissertação de mestrado em que analisou casos que recebeu. Ela constatou que em 88% das vezes os alunos não dispõem de transporte especial para serem levados ao colégio, o que aumenta a evasão escolar.   SERVIÇO   Centro Conviver: Unidade I: Rua Margaida Dallarme, 151 Santa Felicidade. Curitiba PR. Fone: (41)3273-3047 Unidade II: Rua Nilo Peçanha, 380 Bom Retiro Curitiba PR. Fone: (41) 3022-3047 www.centroconviver.com.br   UNIPP- Unidade de Neurologia Infantil Pequeno Príncipe Av. Iguaçu, 1458 Água Verde. Curitiba PR. Fone: (41) 3310-1338 www.neuropediatria.org.br   SINAIS DEVEM SER DETECTADOS CEDO   - O autismo é um transtorno crônico que impõe desafios diários tanto a portadores como a seus familiares.   - No entanto, embora não exista cura, há vários tratamentos, que incluem intervenções psicoeducacionais, orientação familiar e desenvolvimento da linguagem, capazes de amenizar os sintomas e melhorar o convívio social. Em alguns casos, portadores com quadros mais amenos, como os com Síndrome de Asperger, tornam-se adultos independentes e bem-sucedidos.   - Mas, para elevar essa chance, é importante que o diagnóstico seja o mais precoce possível, dando início logo ao tratamento. Por isso, pais devem ficar atentos aos primeiros indícios, como falta de contato visual, quietude excessiva e ausência de expressões, já detectáveis a partir de cerca dos seis meses.   Confira-os, por faixa etária.   De seis a 18 meses de idade - Contato visual limitado. Exemplo: olha as pessoas com o canto dos olhos ou por um espelho. - Não segue o olhar. Ex: não imita o pai quando ele vê as horas no relógio. - Ausência de expressão de felicidade ao ver os pais. - Raramente balbucia ou faz gestos como apontar ou acenar. - Não reconhece ou responde à voz dos pais, mas está ciente de outros.   Crianças pré-escolares - Atraso (ou falta) de desenvolvimento de linguagem e comportamentos físicos repetitivos, como ficar balançando o corpo. - Brincadeiras repetitivas ou preferência por objetos domésticos, como canetas e chaves. - Pode brincar sozinho por horas, sem supervisão. - Pouco interesse em interagir com outras crianças ou comportamento inadequado, como tentar beijar ou bater em colegas. - Menos sensibilidade a dores que levariam outras crianças a procurarem os pais. - Antipatia a alimentos por causa da cor ou textura.   Crianças em idade escolar - Dificuldades de linguagem, como referir-se a si mesmo como você ou ele/ela, em vez de eu; repetição constante de palavras recém-ouvidas; falar sempre as mesmas frases, e incapacidade de participar de uma conversa a menos que seja sobre um tema específico de interesse. - Problemas de interação social, como não ter interesse por atividades populares entre outras crianças (música, esporte) e não perceber que a relação com o professor é diferente daquela com o colega de classe. - Predileção por comportamento rígido e previsível, que, se alterado, pode resultar em birra e revolta.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Breves apontamentos sobre a prescrição penal


Sumário: 1. Punibilidade; 2. Extinção da Punibilidade; 3. Distinção entre prescrição, decadência e perempção; 4. Imprescritibilidade; 5. Espécies de prescrição; 6. Redução e aumento dos prazos de prescrição; 7. Prescrição das penas restritivas de direito; 8. Prescrição da pena de multa; 9. Causas impeditivas ou suspensivas da prescrição; 10. Causas interruptivas da prescrição; 11. Prescrição das penas menos graves com as mais graves; 12. Prescrição e leis especiais.

1. Punibilidade.
O instituto da punibilidade deve ser estudado no campo da coerção penal – Direito Penal atuando na prevenção e repressão da delinquência; mais precisamente na seara da coerção materialmente penal – manifestada pela pena; que se contrapõe à coerção formalmente penal – demais consequências da prática delitiva (v.g. obrigação de reparar o dano).
Na doutrina, FRANZ VON LISZT e ERNEST VON BELING incluíam a punibilidade como um dos elementos do crime, sendo considerado como uma conduta típica, antijurídica, culpável e punível; ao passo que, MAX ERNST MAYER classificou a punibilidade como um resultado do crime, exterior aos seus elementos.
Atualmente, a esmagadora maioria da doutrina entende que a punibilidade nada mais é do que o resultado da existência de um crime, não fazendo parte de seus elementos estruturais.
Ocorre que, por vezes, existem condutas típicas, antijurídicas e culpáveis que não são puníveis. A doutrina alemã equacionou este problema distinguindo a punibilidade em dois sentidos. No primeiro, como merecimento de pena (Strafwürdig) – neste sentido todos os delitos são puníveis; e no segundo, como possibilidade de aplicação de pena (Strafbar) – neste sentido a punibilidade nem sempre está presente, uma vez que elementos exteriores à conduta podem impedir a aplicação da correção materialmente penal.

2. Extinção da punibilidade.
A extinção da punibilidade pode ser conceituada como o desaparecimento do direito de punir do Estado, pela ocorrência de fatos jurídicos exteriores aos elementos estruturais do crime, previstos em lei como causas extintivas da punibilidade.
BASILEU GARCIA definiu as causas extintivas da punibilidade como sendo “acontecimentos que surgem depois da conduta delituosa, nos quais a lei reconhece eficácia excludente da pretensão punitiva do Estado” (Instituições de direito penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, tomo II, p. 325).
O artigo 107, do Código Penal elenca de maneira não exaustiva causas que excluem a punibilidade. Outras leis cuidaram de trazer outras hipóteses de extinção da punibilidade, a exemplo das Leis n. 8.884/1994 e 9.249/1995 (crimes tributários); e Lei n. 9.983/2000 (apropriação indébita previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária).
Entre as causas de extinção da punibilidade tratadas no artigo 107, o inciso IV cuida da prescrição, decadência e perempção.

3. Distinção entre prescrição, decadência e perempção.
De modo geral prescrição significa a perda de uma pretensão, pelo decurso do tempo. Assim sendo, no campo do Direito Penal a prescrição pode ser conceituada como a perda da pretensão punitiva estatal, pelo decurso de determinado lapso temporal previsto em lei. BASILEU GARCIA definiu a prescrição como “a renúncia do Estado a punir a infração, em face do decurso do tempo” (Ob. cit. p. 368).
Sob um aspecto amplo, decadência significa a perda de um direito potestativo, pelo decurso de um prazo fixado em lei ou convencionado entre as partes. No Direito Penal, em seu sentido mais estrito, decadência traduz o perecimento do direito da ação penal de exercício privado, ou do direito de representação nos casos de ação penal pública de exercício condicionado, pelo decurso do prazo de seis meses (artigo 103, do Código Penal).
Por derradeiro, a perempção é definida por JUAREZ CIRINO DOS SANTOS como: “fenômeno processual extintivo da punibilidade em ações penais de iniciativa privada, caracterizado pela inatividade, pela omissão ou pela negligência do autor na realização de atos processuais específicos” (Direito penal: parte geral. 2ª ed. Curitiba: Lumen Juris, 2007, p. 689). Observa-se que,a perempção é uma sanção para o querelante que se comporta conforme as hipóteses elencadas no artigo 60, do Código de Processo Penal, que além de repercutir no processo em que incide, reflete no campo penal, levando à extinção da punibilidade.

4. Imprescritibilidade.
Segundo o preciso magistério de BASILEU GARCIA depreende-se que: “tudo passa, um dia. Há de passar, também, e ser esquecida, a ameaça do Estado de apanhar o delinquente. Nem o ódio dos homens costuma ser invariavelmente implacável e irredutível” (Ob. cit. p. 369).
EUGENIO RAÚL ZAFFARONI critica os casos de imprescritibilidade penal sob o fundamento de que: “(...) Não existe na listagem penal crime que, por mais hediondo que se apresente ao sentimento jurídico e ao consenso da comunidade, possa merecer a imprescritibilidade, máxime se atentarmos que as expectativas comunitárias de reafirmação da validade da ordem jurídica não perduram indefinidamente” (Manual de direito penal brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 645).
Em que pese às respeitadas críticas doutrinárias, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, elencou duas hipóteses de imprescritibilidade penal.
A primeira, prevista no inciso XLII, indica que a prática de racismo constitui crime imprescritível. A Lei n. 7.716/1989 regulamentou este comando constitucional definindo os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Além disso, posteriormente, veio ser editada a Lei n. 8.081/1990, que estabelece crimes e penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza. Nunca é demais lembrar que as figuras típicas previstas nas mencionadas leis, não podem ser confundidas com aquela prevista no artigo 140, parágrafo terceiro, do Código Penal (injúria qualificada pela utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência física).
A segunda hipótese constitucional determina ser imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inciso XLIV). A Lei n. 9.034/1995 dispôs sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Sucede que o referido diploma legal deixou de definir o que venham ser organizações criminosas. O artigo 2º da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Protocolo de Palermo), promulgada pelo Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004, define grupo criminoso organizado como o “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Resta consignar que sempre houve grande polêmica doutrinária sobre a perfeita definição legal das organizações criminosas.
Sobre o tema poderia surgir a seguinte indagação: poderia, legitimamente, o Poder Constituinte Derivado Reformador ampliar as hipóteses acima elencadas, tornando outras condutas imprescritíveis? O Poder Constituinte Originário traçou as duas hipóteses constitucionais de imprescritibilidade penal no rol de direitos e garantias fundamentais previstas no artigo 5º. Ora, quando o Poder Constituinte Originário pretendeu que determinadas condutas fossem imprescritíveis o fez expressamente, e a contrario sensu, as demais condutas seriam prescritíveis. Assim sendo, a prescritibilidade penal figura implicitamente como um direito fundamental, não se admitindo emenda constitucional sobre a matéria (artigo 60, parágrafo quarto, inciso IV). Caso fosse proposta uma emenda constitucional neste sentido, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, qualquer parlamentar teria legitimidade para impetrar mandado de segurança, sob o fundamento de violação do devido processo legislativo, cabendo à Corte Constitucional realizar o controle de constitucionalidade preventivo.

5. Espécies de prescrição.
O Código Penal ao tratar do tema divide a prescrição em duas espécies: a) prescrição antes de transitar em julgado a sentença (artigo 109); b) prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatória (artigo 110).
Doutrinariamente, a prescrição é dividida em prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. A prescrição da pretensão punitiva desdobra-se em: prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; prescrição superviniente ou intercorrente; prescrição retroativa; e prescrição antecipada, projetada, virtual ou retroativa em perspectiva.

5.1.1. Prescrição da pretensão punitiva propriamente dita:
Esta espécie tem lugar antes de transitar em julgado a sentença penal, devendo ser regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade ao crime. Os prazos em que é verificada são os constantes no rol do artigo 109, do Código Penal.
Regra geral, o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita deve ser contado a partir do dia da consumação do delito (artigo 111, inciso I, do Código Penal). Este dispositivo legal traz outros marcos iniciais para fins de contagem de prazo prescricional: a) no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa (artigo 111, inciso II, do Código Penal); b) nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência (artigo 111, inciso III, do Código Penal) ; c) nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido (artigo 111, inciso IV, do Código Penal).
Segundo o Superior Tribunal de Justiça,“a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas” (Súmula 338).

5.1.2. Prescrição superviniente ou intercorrente:
Pode ser conceituada como aquela que ocorre entre a data da publicação da sentença penal condenatória e o trânsito em julgado para a acusação. A prescrição superviniente ou intercorrente é regida pela pena aplicada, tendo como marco inicial a publicação da sentença penal condenatória.
Envolvendo o tema, BASILEU GARCIA comentou que: “a proibição legal de reformatio in pejus, assegurando a impraticabilidade da exacerbação da pena sem recurso do acusador, permite basear a prescrição na quantidade fixada na sentença” (Ob. cit. 373).

5.1.3. Prescrição retroativa.
A prescrição retroativa é a espécie de prescrição que determina a recontagem dos prazos anteriores à sentença penal com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso. A prescrição retroativa é igualmente regulada pela pena aplicada, tendo como marco inicial a publicação da sentença penal condenatória.
O parágrafo primeiro do artigo 110 possuía a seguinte redação: "a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada". De acordo com a antiga redação, a prescrição retroativa poderia ocorrer em dois períodos distintos: a) entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa; ou b) entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória.
A Lei n. 12.234/2010 deu nova redação ao mencionado dispositivo: "a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa". Com esta modificação, a prescrição retroativa somente ocorre entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória. Ressalta-se que a nova lei, que se mostra menos benéfica ao réu, somente pode ser aplicada a fatos posteriores à data de sua publicação (artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal).

5.1.4. Prescrição antecipada, projetada, virtual ou retroativa em perspectiva.
Esta espécie de prescrição não encontra previsão legal, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial, tendo como fundamentos a economia e falta de interesse processual. Ela seria verificada ainda em sede de inquérito policial, ou seja, antecipadamente, sendo regulada pela provável pena em concreto que seria estabelecida pelo magistrado por ocasião da condenação.
Como assinalou JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, a prescrição pela pena virtual seria “outra generosa invenção da jurisprudência brasileira, amplamente empregada por segmentos liberais do Ministério Público e da Magistratura nacionais” (Ob. cit. p. 682).
O Superior Tribunal de Justiça se posicionou contrário a esta criação jurisprudencial ao editar a Súmula 438: “é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

5.2. Prescrição da pretensão executória.
A prescrição da pretensão executória é aquela que implica na perda da possibilidade de aplicação da sanção penal, em face do decurso do tempo. Ela deve ser regulada pela pena fixada na sentença condenatória ou acórdão. Neste sentido dispõe a Súmula 604 do STF: “A prescrição pela pena em concreto é somente da pretensão executória da pena privativa de liberdade”.
Começa a correr a prescrição da pretensão executória: a) do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional (artigo 112, inciso I); b) do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena(artigo 112, inciso II).
A prescrição no caso de evasão do condenado ou de revogação do livramento condicional é regulada pelo tempo que resta da pena (artigo 113).

6. Redução e aumento dos prazos de prescrição.
Os prazos de prescrição são reduzidos à metade quando o criminoso era: a) ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou;b) na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos (artigo 115, do Código Penal).
Sobre o disposto, JUAREZ CIRINO DOS SANTOS ensina que: “a definição legal da capacidade civil aos 18 anos (art. 5º, caput, do Código Civil), não exclui a redução dos prazos de prescrição para agentes menores de 21 anos: a redução dos prazos prescricionais tem por fundamento idade inferior a 21 anos – não a incapacidade civil do agente na data do fato. Além disso, decisões do legislador civil não podem invalidar critérios do legislador penal – e qualquer outra interpretação representaria analogia in malam partem, proibida pelo princípio da legalidade penal. Segunda, na forma do art. 1º, da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), o limite etário de 70 (setenta) anos (na data da sentença), como fundamento para redução dos prazos prescricionais, deve ser alterado para 60 (sessenta) anos, pela mesma razão que determinou a fixação desse marco etário para definir o cidadão idoso, alterando expressamente a circunstância agravante do art. 61, h, CP, na hipótese de ser vítima de crime: a analogia in bonam partem é autorizada pelo princípio da legalidade penal e, portanto, constitui direito do réu” (Ob. cit. p. 683-684).
Caso o condenado seja reincidente, o prazo prescricional da pretensão executória deverá ser ampliado em um terço (artigo 110).Frise-se que a predita ampliação de prazo só tem lugar na prescrição da pretensão executória, conforme se extrai da Súmula 220 do STJ: “a reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva”.

7. Prescrição das penas restritivas de direito.
Os prazos prescricionais das penas restritivas de direito seguem a sorte dos prazos prescricionais das penas privativas de liberdade, conforme se verifica pelo disposto no artigo 109, parágrafo único: “aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade”.

8. Prescrição da pena de multa.
A prescrição da pretensão punitiva da pena de multa ocorrerá: a) em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada (artigo 114, inciso I); b) no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada. Nestas hipóteses são aplicadas as mesmas causas suspensivas e interruptivas da prescrição de pena privativa de liberdade.
No que toca à prescrição da pretensão executória da pena de multa, convém lembrar que, com o advento da Lei n. 9.268/1996, que passou a considerar a pena pecuniária como dívida de valor, seu prazo passou a ser de cinco anos, e são aplicadas as causas suspensivas e interruptivas da legislação tributária para a hipótese.

9. Causas impeditivas ou suspensivas da prescrição.
Enquanto que o impedimento da prescrição inibe o início do curso do prazo prescricional, a suspensão leva à paralisação do prazo já em curso. As causas impeditivas ou suspensivas dizem respeito à prescrição da pretensão punitiva propriamente dita.
O artigo 116estabelece que não corre a prescrição:a) enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime (artigo 116, inciso I); b) enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro (artigo 116, inciso II).
Sobre a matéria, a Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça orienta que: “o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”.

10. Causas interruptivas da prescrição.
As causas interruptivas da prescrição estão elencadas no artigo 117:a) pelo recebimento da denúncia ou da queixa; b) pela pronúncia; c) pela decisão confirmatória da pronúncia; d) pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; e) pelo início ou continuação do cumprimento da pena; f) pela reincidência.
A Súmula 191 do Superior Tribunal de Justiça enunciou que: “a pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime”.
As causas interruptivas da prescrição fazem o prazo voltar a correr do início, ou seja, possuem o condão de determinar o reinício da contagem do prazo prescricional,vertendo em sua integralidade a partir do dia da interrupção. No caso de continuação do cumprimento de pena, há uma exceção à regra geral, uma vez que a prescrição deverá ser regulada pelo tempo restante da pena (artigo 117, parágrafo segundo).
A interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime, salvo nos casos de início e continuação da pena e reincidência.Por derradeiro, o artigo 117, parágrafo primeiro, in fine, estabelece que: “nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles”.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a sentença concessiva de perdão judicial não tem o condão de interromper a prescrição, uma vez que ela é apenas declaratória de extinção da punibilidade (Súmula 18).

11. Prescrição das penas menos graves com as mais graves.
O artigo 118 do Código Penal estabelece que:“as penas mais leves prescrevem com as mais graves”. A respeito, JUAREZ CIRINO DOS SANTOS teceu a seguinte crítica: “ a regra de que as penas mais leves prescrevem com as mais graves parece supérflua (art. 118, CP): se pretensões punitivas ou executórias de penas mais graves estão prescritas por decurso de tempo maior, então pretensões punitivas ou executórias de penas mais leves estão necessariamente prescritas por prévio decurso de tempo menor” (Ob. cit. 688).

12. Prescrição e leis especiais.
As regras gerais de prescrição previstas no Código Penal são aplicadas aos crimes previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 12. Nesse sentido, nos casos de crimes falimentares, dispõe a Súmula 592 do Supremo Tribunal Federal: “nos crimes falimentares, aplicam-se as causas interruptivas da prescrição previstas no Código Penal”.

PRESCRIÇÃO NO PROCESSO PENAL

A prescrição penal é a perda do direito do Estado de aplicar a pena ou de executa-la,
em virtude da inércia ao longo de determinado tempo. No processo penal, há duas
espécies de prescrição: a prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes do
julgamento definitivo do processo, e a prescrição da pretensão executória, que ocorre
depois do julgamento definitivo. A prescrição da pretensão punitiva pode ser subdividida
em: a) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; b) prescrição da pretensão
punitiva intercorrente; c) prescrição da pretensão punitiva retroativa e d) prescrição da
pretensão punitiva virtual.
 A prescrição da pretensão punitiva propriamente dita regula-se pelo máximo da
pena privativa de liberdade cominada ao crime, devendo observar os prazos estabelecidos
no art. 109 do Código Penal, ou seja, ocorrerá em 03 (três) anos, se o máximo da pena é
inferior a um ano; ocorrerá em 04 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a um ano
ou, sendo superior, não exceder a dois anos; ocorrerá em 08 (oito) anos, se o máximo da
pena é superior a 02 (dois) anos e não exceder a 04 (quatro); (...) e ocorrerá em 20 (vinte)
anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze) anos.
Assim, se uma pessoa está sendo acusada, por exemplo, de furto, cuja pena
prevista na lei é de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e depois de mais de 08 (oito) anos do
recebimento da denúncia o processo ainda não foi julgado, deve ser extinta a punibilidade
do réu pela prescrição e, em consequência, ser arquivado o processo. Convém ressaltar
que o prazo prescricional começa a fluir desde a prática do fato apontado como criminoso,
mas o Código Penal prevê algumas causas interruptivas da prescrição, tais como o
recebimento da denúncia, a publicação da sentença condenatória e o início do
cumprimento da pena (art. 117, Código Penal), de modo que, mesmo que a denúncia
somente seja recebida depois de 07 (sete) anos e 11 (onze) meses da prática do fato, não
ocorre, no caso do furto, a prescrição, e se, apesar dessa demora, decorrerem mais 07
(sete) anos e 11 (onze) meses para a publicação da sentença condenatória, ainda assim,
quase 16 (dezesseis) anos da prática do fato, não teria operado a prescrição, salvo se
presente uma das hipóteses em que o prazo prescricional é reduzido pela metade, como
quando o autor do fato for, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos ou, na data
da sentença, maior de 70 (setenta) anos (art. 115, Código Penal).
 A prescrição da pretensão punitiva intercorrente, que ocorre depois da sentença
condenatória da qual não cabe mais recurso da acusação ou depois de improvido o
recurso, regula-se pela pena aplicada na decisão condenatória (pena in concreto),
contando-se para a frente (ex nunc), com observância dos mesmos prazos do art. 109 do
Código Penal. Assim, fixada a pena privativa de liberdade em 10 (dez) meses de detenção,
cujo prazo prescricional é de 03 (três) anos (art. 109, VI, do Código Penal), e publicada a
sentença condenatória – último marco interruptivo –, uma vez transcorridos 03 (três) anos,
sem a ocorrência de um outro marco interruptivo, como um acórdão condenatório do
Tribunal, resultado de um eventual recurso da acusação, opera a prescrição da pretensão
punitiva intercorrente.
 A prescrição da pretensão punitiva retroativa, como a intercorrente, também se
baseia na pena aplicada na sentença e no trânsito em julgado para a acusação, mas seu
prazo é contado para trás (ex tunc), com observância dos prazos do art. 109 e das causas
interruptivas da prescrição do art. 117 do Código Penal. Assim, no caso do furto, se a
sentença aplicar ao réu uma pena de 01 (ano), o prazo prescricional, que era, pela pena
abstrata, de 08 (oito) anos, passa a ser somente de 04 (quatro), de sorte que, observando se,
depois da sentença, que entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da
sentença condenatória decorreu mais de 04 (quatro) anos, aplica-se a prescrição da
pretensão punitiva retroativa. Com a nova redação conferida pela Lei n.º 12.234/2010, o §
1.º do art. 110 do Código Penal passou a dispor que "A prescrição, depois da sentença
condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido o seu
recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo
inicial data anterior à da denúncia ou queixa." Tal dispositivo, para alguns doutrinadores,
teria banido a prescrição retroativa do ordenamento jurídico; contudo, a orientação mais
assente é a de que o novel dispositivo vedou somente a incidência da prescrição retroativa
entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa, nada obstando a sua
incidência entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença.
  A prescrição da pretensão punitiva virtual é a que é reconhecida antecipadamente,
com base na provável pena a ser fixada na futura condenação. Se o juiz perceber, durante
a instrução criminal, que numa eventual sentença condenatória por crime de furto o
acusado sofreria uma pena de somente 01 (um) ano, já tendo decorrido mais de 04
(quatro) anos do recebimento da denúncia, em vez de condenar o réu, pode já reconhecer
logo a prescrição e extinguir o processo. A súmula nº 438 do Superior Tribunal de Justiça
reputa inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição virtual, de todo modo, essa
modalidade de prescrição ainda vem sendo defendida pela doutrina e por parcela
considerável da jurisprudência pátria, não podendo, portanto, ser menosprezada.
 A prescrição da pretensão executória, por fim, incide depois do trânsito em julgado
da condenação e regula-se pela pena aplicada, observando também os prazos do art. 109
do Código Penal. Assim, caso o acusado seja condenado a uma pena de 01 (um) ano e,
depois de 04 (quatro) anos do trânsito em julgado da sentença, não houver sequer iniciado
o cumprimento da pena, ocorre a perda do direito do Estado de executá-la, eximindo-se o
réu de cumpri-la, por conta da prescrição da pretensão executória, embora remanesçam
os efeitos secundários da condenação, como a reincidência e os maus antecedentes – algo
que não ocorre nas hipóteses de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão
punitiva, em quaisquer de suas modalidades.
 A prescrição penal é matéria de ordem pública, que pode ser reconhecida de ofício
ou a requerimento das partes, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, nos
termos do art. 61 do Código de Processo Penal (cf. STJ, HC 189.413/MG, 5ª Turma, rel.
Gilson Dipp, DJe 10.05.2012).
Francisco Eliton A Meneses
Defensor Público

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Lei de Crimes Hediondos uma abordagem crítica (parte IV)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A individualização da pena privativa de liberdade se dá na fase de execução, principalmente, através da progressão de regimes e da liberdade condicional, o que não é assunto controvertido.
Em análise ao processo legislativo da lei de crimes hediondos, percebemos que esta lei foi, como tantas outras, aprovada às pressas, sem uma análise extensiva por parte dos legisladores, que o fizeram em um momento de clamor popular pela diminuição da criminalidade devido a seqüestros de pessoas influentes que vinham acontecendo. O que, infelizmente resultou, diante de tudo isto, foi uma lei que seguiu o clamor de penas mais rígidas para condenados por certos crimes por elas rotulados. Por outro lado, sob o ponto de vista jurídico, principal com relação ao assunto, evidencia um fracasso, por contrariar, em certos artigos e ou incisos, toda a história da pena (que se mostra contrária a penas severas como as impostas por estas lei) além de ir de encontro também a princípios fundamentais constitucionais relacionados a pena (individualização, proporcionalidade e humanidade).
Não obstante a conclusão acima mencionado, a respeito dos assuntos alvo de nossa explanação chegamos a conclusões diversas.
Cientes de que o mais importante princípio constitucional relevante é o princípio da individualização no reportamos a Carta Magna, que é clara ao garantir que "a lei regulará a individualização da pena".
Diante desta primaz determinação constitucional e considerando que no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal é hierarquicamente superior a todo o restante da legislação, concluímos pela inconstitucionalidade da impossibilidade de progressão de regimes para os condenados por crimes hediondos. A Lei de Crimes Hediondos ao determinar o regime integralmente fechado aos condenados por estes crimes e não esta regulando este direito fundamental e sim o vedando, o que revela a incontinência do artigo segundo, parágrafo primeiro, de Lei em comento como e Carta Magna de nosso país.
Por outro lado, apesar de entendermos contrário ao princípio da humanidade da pena, devemos concluir pela constitucionalidade do livramento condicional extraordinário, pois este instituto, concedido somente após dois terços de pena cumpridos, não demonstra uma proibição da individualização, pois inclusive os demais requisitos subjetivos remanescem, demonstrando sim que a Lei de Crimes Hediondos, conforme determina a Constituição, está regulando o direito a individualização da pana privativa de liberdade.
Ambos os institutos, ainda se demonstram contrários ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e ao Pacto de São José da Costa Rica, por que o regime integral fechado e a concessão de liberdade condicional somente após um longo período em regime fechado (dois terços de cumprimento de pena) podem ser caracterizados como "penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes".
Não obstante ao anterior exposto, devemos ainda concluir sobre a posição do Poder Judiciário brasileiro que se mostra divergente em suas decisões conforme o tipo de crime hediondo a que o réu está sendo julgado.
Diante disto, os crimes de tortura, de formação de quadrilha ou bando com o intuito de prática da prática de crime hediondos e crimes hediondos que envolvam relações internacionais (como o tráfico internacional de drogas e entorpecentes), são merecedores da concessão de progressão de regimes e, as vezes, de livramento condicional extraordinário.
Finalmente, concluímos a presente abordagem com a certeza de que o regime integralmente fechado para os condenados por crimes hediondos é inconstitucional e que o livramento condicional extraordinário é, formalmente, constitucional, sendo que, porém, ambos ferem os pactos internacionais relativos a direitos humanos, transformando-se pois em agressões a aspectos principiológicos que devem reger o Estado Democrático de Direito e de per si, a declaração de inconstitucionalidade da legislação referencial. Além disto o Judiciário, ao aplicar uma lei que possui tamanhas imperfeições e inconstitucionalidades, fechando os olhos para isto, está levando a constituição à marginalidade por decidir como base em jurisprudências formadas e não baseando-se no sistema jurídico nacional, que agrega princípios de ordem internacional e, principalmente, a observância de um Direito humanista e eficaz, não meramente repressivo e sujeito à influências de grupos de interesse específico

Lei de Crimes Hediondos uma abordagem crítica (parte III)

3 IMPOSSIBILIDADE DE LIVRAMENTO CONDICIONAL ORDINÁRIO E SUA CONSTITUCIONALIDADE

A Lei de Crimes Hediondos, em seu artigo 5º, acresceu o inciso V, ao artigo 83, do Código Penal. O referido inciso criou o Livramento Condicional Extraordinário, segundo o qual o juiz poderá conceder este substitutivo de pena, desde que o apenado tenha "cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza."(sic)
Desta forma, como na proibição da progressão de regime, a Lei que temos como objeto, sob o ponto de vista de que a individualização é garantida pela Carta Magna, veda um dos mais importantes direitos do apenado, o direito ao Livramento Condicional ordinário.
Além do mais, ao contrário da impossibilidade de progressão de regime, que admite exceções, o Livramento Condicional extraordinário, é extensivo a todos os casos de condenações por crimes hediondos ou assemelhados, o que o caracteriza como ainda mais severo e desumano que a impossibilidade de progressão de regime.
De outra monta, assim como na impossibilidade de progressão de regimes, a impossibilidade de concessão de Livramento Condicional Ordinário aos condenados por crimes hediondos, merece uma analise com relação a sua constitucionalidade sob o ponto de vista principiológico constitucional, que já apresentamos.
Não Obstante, reafirmamos que o princípio da individualização da pena é regido pelo artigo quinto, inciso quarenta e seis da Constituição Federal, o qual, como já referimos, determina que "a lei regulará a individualização da pena". Consideramos ainda que o livramento condicional é outra das formas de individualização da pena privativa de liberdade, na fase de execução.
Todavia, a impossibilidade de Livramento Condicional Ordinário, não proíbe a aplicação do instituto do Livramento Condicional, haja visto que a forma ordinária de Livramento é apenas substituída pela forma extraordinária, que é mais rigorosa, mas não ao ponto de proibir a aplicação do referido instituto, como ocorre com a impossibilidade de progressão de regimes. Diante disto, cumpre-nos posicionarmos no sentido de que, sob o ponto de vista do princípio da individualização o Livramento Condicional Extraordinário é constitucional.
Por outro lado, quanto ao princípio da humanidade, o quadro se modifica em relação ao assunto. Enquanto, conforme já discorremos, a pena privativa de liberdade suprime alguns direitos do condenado, dentre eles a liberdade, por outro lado, não pode restringir outros direitos que também são assegurados pela Constituição Federal, como o princípio em comento.
Diante disto, não podemos nos posicionar na sentido de que uma pena cumprida, em dois terços de seu total, em regime fechado, seja acordada com condições humanas de sobrevivência. Assim, ao nosso ver, o Livramento Condicional Extraordinário fere a Constituição Federal, quanto à humanidade que deveria ser dispensada a pena.
Porém, cumpre ainda ressaltar que o princípio da humanidade, ao contrário do princípio da individualização, não possui uma forma específica de aplicação o que torna subjetiva a análise com relação a sua constitucionalidade.
Conseqüência desta subjetividade é a falta de argumentos firmes o suficiente para que possamos enquadrar o referido instituto como inconstitucional, falta esta que se verifica também na doutrina.
Em face de todo o exposto, cabe posicionarmos pela constitucionalidade do referido dispositivo.
3.1 A Reincidência Específica
A reincidência específica, relacionada ao livramento Condicional, assume imensa importância, uma vez que se o condenado for considerado reincidente específico, não terá direito nem ao Livramento Condicional Extraordinário.
Sobre o assunto, Carmen Silvia de Moraes Barros faz importante crítica:
"Se a lei de crimes hediondos só não fosse inconstitucional por impedir a aplicação do princípio de individualização da pena na execução penal, também seria por ressuscitar a arcaica figura da reincidência específica, ligada a culpabilidade do autor e que permite a apenação não pelo que se fez, mas pelo que se é." [35] (sic)
A reincidência específica é originária do Código Penal de 1940. Porém, foi abolida pela reforma penal ocorrida em 1984, por meio do artigo 61, inciso I, que trata simplesmente sobre reincidência, conceituando o assunto, sem citar classificações.
A doutrina com relação ao assunto é diversa. A discussão ocorre no sentido de haver necessidade que para a existência da reincidência específica, ocorra o mesmo tipo penal, cometido duas vezes, ou se bastaria que o condenado cometesse dois crimes, mesmo de diferente tipificação, porém ambos elencados no rol dos hediondos ou equiparados.
Damásio E. de Jesus, se posiciona da seguinte maneira:
"Há reincidência específica, para efeito da disposição, quando o sujeito, já tendo sido irrecorrivelmente condenado por qualquer um dos delitos relacionados, vem novamente a cometer um deles, observado o artigo 64, I, do CP. Exemplos: Tráfico de drogas e estupro; latrocínio e latrocínio; latrocínio e tortura; terrorismo e extorsão mediante seqüestro, etc". [36] (sic)
Antônio Lopes Monteiro [37] tem a mesma posição, apoiada também por Mirabete [38] e Magalhães Noronha [39]:
"Reincidente específico, para efeito da lei, é o sujeito que comete crime hediondo, terrorismo, de drogas ou tortura depois de transitar em julgado sentença que, no pais ou no estrangeiro, o tenha condenado por um desses crimes. E dentro do elenco pode haver diversificação: o primeiro delito pode ser tortura; o segundo, terrorismo".(sic)
Esta corrente doutrinária é dominante e coerente com os julgamentos atuais. Assim, a reincidência específica, prevista originalmente no Código Penal de 1940, foi extinta restando apenas a reincidência ficta [40], devendo-se ainda deduzir novo conceito para a expressão, qual seja, o crime anterior e o posterior devem ter a mesma natureza significando que ambos devem estar dentre os classificados por hediondos ou equiparados.

4 CRIMES HEDIONDOS E OS PACTOS INTERNACIONAIS RATIFICADOS PELO BRASIL

A Carta Política brasileira, em seu artigo 5º, garante a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País, que "III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" e "XLVII - não haverá penas: b) de caráter perpétuo". Além disso, o parágrafo segundo, do mesmo artigo, versa o seguinte: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." (grifamos)
Ambos os direitos citados, são de suma importância para o presente estudo. O parágrafo acima citado, abre caminho para os tratados internacionais ratificados pelo Brasil e, dentre estes, os tratados referentes aos Direitos humanos.
Nesta área, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto de São José da Costa Rica representam os principais tratados ratificados pelo Brasil.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução número 2.200-A da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966. No Brasil foi aprovado pelo Decreto Legislativo número 226, publicado em 13 de dezembro de 1991. Após, foi ratificado em 24 de janeiro de 1992 e promulgado pelo Decreto número 592, publicado em 7 de julho de 1992, quando entrou em vigor. Este decreto em seu artigo primeiro versa o seguinte: "O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém."(sic)
Não obstante, o artigo sétimo do referido pacto determina que "ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas." (grifamos)
Além deste, em 22 de novembro de 1969, em San José de Costa Rica, foi adotada pela Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada de "Pacto de San José da Costa Rica". Este pacto foi assinado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e promulgado pelo decreto numero 678, publicado em 09 de novembro de 1992, quando entrou em vigor.
Ao promulgar este tratado, o referido decreto, em seu artigo primeiro, determinou o seguinte: "a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém." (grifamos)
Assim, também em vigor em nosso país, o referido pacto garante o seguinte:
"Artigo 5º - direito à integridade pessoal; 2 -Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano; 6 - as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados." (sic)
Diante destes compromissos assumidos pelo Brasil em preservar os direitos humanos, o regime integralmente fechado e o livramento condicional extraordinário encontram-se em total desacordo com os mesmos, uma vez que ambos ferem a dignidade humana por trancafiarem os apenados por um longo período sem concederem a estes benefícios proporcionais a sua ressocialização.
Abonam esta desinteligência as posições tomadas pela justiça federal, em relação à progressão de regimes para os condenados pelo crime hediondo de tráfico internacional de entorpecentes, que são de sua competência. Nestes casos, são várias as jurisprudências que confirmam como revogado tacitamente o parágrafo primeiro, do artigo segundo da Lei de Crimes Hediondos. Vejamos, como exemplo, posição tomada pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região [41]:
"Concede-se de ofício ordem de habeas corpus aos réus para autorizar a progressão do regime prisional, nos termos do artigo 33, § 2º, do código penal e do artigo 112 da lei nº 7.210/84. O juízo das execuções penais examinará quando e se os condenados preenchem os requisitos concretos. O artigo 2º, § 1º, da lei nº 8072/90 foi revogado pelo pacto internacional de direitos civis e políticos, artigo 7º, que foi ratificado pelo Brasil, em 24.01.92. Constitui tratamento cruel a um condenado submetê-lo, integralmente, durante o cumprimento da sanção, a regime mais gravoso, excluindo a possibilidade de, pelo mérito, demonstrar que faz jus à progressão prisional." [42](grifamos)
Diante disso, nos posicionamos no sentido de que a impossibilidade de progressão de regime, e, por analogia, o livramento condicional extraordinário, foram revogados tacitamente quando da promulgação da ratificação do "Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos" e do "Pacto de São José da Costa Rica". Esta afirmação se dá porque ambos operam contra a o direito, garantido pelo primeiro e pelo segundo pactos, de que "ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes". Além disso, a mesma impossibilidade de progressão de regime também obra contra outro compromisso assumido no segundo Pacto de que "as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados".

5 A REFORMA DO CÓDIGO PENAL

Diante da situação exposta, em que é a gritante desumanidade e gravíssimo o atentado aos princípios penais, que a Lei de Crimes Hediondos impõe, situação esta que leva muitos a ‘fecharem os olhos’ devido à situação política e social que assola nosso país, nos exaltamos ao mencionar que esta situação, não está ‘jogada ao vento’, pois existem legisladores que tem a consciência de tudo isto.
Esta consciência se confirma com a exposição de motivos número 318/2000, do projeto de lei que propõe uma reforma na parte geral do Código Penal. Tamanha a serenidade desta posição, assinada pelo então ministro da Justiça, José Gregori, que merece a transposição de alguns trechos na íntegra:
"4 - O Direito Penal legislado na década de 90 foi um dos momentos mais dramáticos para o Direito brasileiro, pois era imprevisível que se produzissem em matéria repressiva tantas soluções normativas ao sabor dos fatos, sob o encanto de premissas falsas e longe de qualquer técnica legislativa. Ao lado dessas reformas, e mesmo em contradição a vários de seus postulados, novos institutos importados sem muito critério do direito americano e italiano promoveram uma completa desorganização do que sobrara do sistema legal, promovendo uma exagerada liberalização de situações, muitas vezes, socialmente graves. Some-se a isso a crise penitenciária vivida pelo Estado brasileiro e as frustrantes tentativas legais de corrigi-la pela via de remédios marcados por um forte sentimento de impunidade e tem-se o retrato da legislação penal atual. Uma completa desarticulação discursiva entre institutos, ausência de correspondência destes a uma política criminal efetiva e paradoxos que se avolumavam em quantidade e qualidade impediam que se pudesse chamar de sistema penal o que brotava dessas reformas."(grifamos)
Com relação às leis, e dentre elas entendemos somada a lei em comento, o eminente ministro relata o seguinte:
"5 - Não é o caso de fazer referência a cada uma das leis responsáveis pelo caos punitivo gerado. Cada uma de ‘per si’ e todas em seu conjunto promoveram o mais sinistro desmantelamento de um sistema penal".(grifamos)
Além de todo o exposto, percebemos que o legislador tem a plena consciência de que leis como a Lei de Crimes Hediondos ‘desmantelaram’ nosso sistema jurídico e se desligaram completamente dos princípios que deveriam obrigatoriamente seguir:
"7 - Dos trabalhos desenvolvidos por esse Grupo de Trabalho Especial e das audiências públicas e com os mais qualificados interlocutores e operadores do sistema criminal com reuniões em diversos pontos do País concluiu-se pela necessidade de reformar, com urgência, ao menos o sistema de penas do Código Penal para reordená-lo aos princípios constitucionais e garantir, simultaneamente, a segurança exigida pela cidadania e a dignidade humana de todos os personagens do processo criminal reclamada pela civilização e pelas leis."(grifamos)
Desta forma, finalizamos o presente capítulo, com palavras de Cezar Roberto Bitencourt: "A lei de crimes hediondos não pode continuar a existir" [43].

Lei de Crimes Hediondos uma abordagem crítica (parte II)

Realizada uma prévia identificação com relação a quais são os crimes hediondos e assemelhados, cumpre-nos explanar a impossibilidade da progressão do regime na execução da pena privativa de liberdade, imposta aos mesmos.
O artigo segundo da lei em comento, após, em seu caput, determinar quais os crimes equiparados aos hediondos, em seu parágrafo primeiro determina que: "A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado". (grifamos)
Na língua portuguesa, o vocábulo "integral", significa [20] total, inteiro, global. Diante disto, a frase acima em destaque, já em seu sentido jurídico tem o significado de que a pena, em toda a sua execução, será cumprida em um só regime, o regime fechado.
Considerando que a progressão de regime é uma das formas de individualização da pena privativa de liberdade em sua fase executória, e que esta individualização é garantida pela Constituição Federal, em princípio, a lei de crimes hediondos, ao vedar a progressão de regimes seria materialmente inconstitucional, embora tal aspecto, no plano formal já tenha sido amplamente debatido perante os Tribunais Superiores.
Com relação ao assunto, existem duas correntes, que oscilam em torno da constitucionalidade ou não deste inciso. Ambas se formam a nível jurisprudencial e doutrinário.
A primeira corrente, defende a constitucionalidade do referido parágrafo. Esta representa a uniformidade de julgamentos do STJ e do STF.
O STJ, em sua jurisprudência dominante [21], considera que:
"A lei dos crimes hediondos - lei 8.072/1990 -, ao estabelecer no seu art. 2., par. 1., que os delitos nela arrolados devem ser punidos sob o rigor do regime fechado integral, embora dissonante do sistema preconizado no CP - arts. 33/36 - e da lei de execuções penais, que preconizam a execução da pena privativa de liberdade de forma progressiva, não afronta o texto constitucional, pois a carta magna conferiu ao legislador ordinário competência para dispor sobre a individualização da pena (art. 5., XLVI), situando-se aquele diploma legal na linha filosófica do estatuto maior, que estabeleceu princípios rigorosos no trato dos crimes hediondos (art. 5., XLIII)." [22](sic)
O Supremo Tribunal Federal, de acordo com a base jurisprudencial uniforme [23], entende que à lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário, segundo este tribunal, dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional, entendendo ser constitucional o referido ordenamento.
Julio Fabrini Mirabete defende a constitucionalidade do dispositivo, através do seguinte argumento:
"Conforme pacífica a jurisprudência, não há qualquer inconstitucionalidade derivada de infringência ao princípio de individualização da pena previsto no art. 5º, XLVI, da Carta Magna, uma vez que cabe à lei determinar as regras para a citada individualização." [24] (sic)
Vitor Eduardo Rios Gonçalves, comenta a mesma posição:
"Veja-se, entretanto, que esse dispositivo da Carta Magna limita-se a dizer que a individualização da pena será regulada por lei, não mencionando que a progressão de regime é direito dos condenados. Analisando-se a legislação ordinária, percebe-se que o sistema de individualização da pena está contido no art. 68 do CP, que dispõe acerca das fases que o juiz deve seguir para fixar a reprimenda. Assim, nada há de inconstitucional na fixação de regime integral fechado, conforme vêm decidindo reiteradamente o STF e o STJ." [25] (sic)
Por outro lado, há uma segunda corrente que defende que a impossibilidade de progressão de regime é inconstitucional.
Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Piarangeli [26], ao examinarem o artigo segundo, parágrafo primeiro, da lei, observam ser sua constitucionalidade, no mínimo, duvidosa.
Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, é um dos partidários da inconstitucionalidade do dispositivo que veda a progressão de regime na lei de crimes hediondos:
"Destarte, tenho como inconstitucional o preceito do §1º do art. 2º da lei 8.072/90, no que dispõe que a pena imposta pela prática de qualquer dos crimes nela mencionados será cumprida, integralmente, no regime fechado. Com isto, concedo parcialmente a ordem, não para ensejar ao paciente qualquer dos regimes mais favoráveis, mas para reconhecer-lhe, porque cidadão e acima de tudo pessoa humana, os benefícios do instituto geral que é o da progressão do regime de cumprimento da pena, providenciando o Estado os exames cabíveis". [27] (sic)
Da mesma forma, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, atualmente aposentado [28], Luiz Vicente Cernicchiaro, também, enquanto em atividade, demonstrou-se favorável à referida inconstitucionalidade, porém, também com inúmeros votos vencidos:
"A Constituição da República consagra o princípio da individualização da pena. Compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Individualizar é ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infração penal, no momento da aplicação e da execução. Impossível, por isso, legislação ordinária impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime único inflexível" [29], e ainda: "Individualização de pena significa ensejar ao juiz definir a qualidade e quantidade da pena, nos limites da cominação legal. Imperativo de justiça e de boa aplicação da sanção penal. inconstitucional, por isso, lei ordinária impor, inflexivelmente que a pena ‘será cumprida integralmente em regime fechado’." [30] (sic)
Carmem Silvia de Moraes Barros, também demonstra a inconstitucionalidade do referido dispositivo:
"Em que pesem as vozes em contrário, é obvio que, ao impedir a progressão de regime de cumprimento de pena, a lei de crimes hediondos inviabiliza a individualização da pena na execução penal e contraria o preceito constitucional que garante o direito à pena individualizada", e ainda comenta: "Ao vedar a progressão de regime de cumprimento de pena, a lei de crimes hediondos volta aos primórdios do direito penal para relevar o crime e ignorar por completo o homem." [31] (sic)
Paulo José de Costa Júnior, também demonstra boa doutrina:
"..., tem-se apontado, com acerto, a inconstitucionalidade desse dispositivo legal, por ferir o princípio constitucional de individualização da pena, agasalhado expressamente no artigo 5º, da Constituição Federal". [32] (sic)
Thaís Vani Bemfica, em obra sobre o assunto afirma:
"Cumprimento de pena severa em regime totalmente fechado é o mesmo que pena perpétua, vedada pela Constituição Federal. Uma disposição penal que inadmite o livramento não é apenas retrógrada: é degenerada, mormente porque pode ser aplicada contra santos e bandidos, jogando perigosos e não perigosos no mesmo caldo de cultura da microbiogenia dos presídios em que eventuais predisposições para o crime explodem, com nítidos prejuízos ao condenado, à sua família e a sociedade". [33] (sic)
Diante de respeitáveis posições doutrinárias percebemos ser variada a gama de argumentos, de uma e outra corrente, porém, cumpre-nos analisar neste momento a questão com base nos princípios constitucionais pertinentes ao Direito Penal.
Dessa forma, consideremos como fundamentais cinco princípios quais sejam: legalidade, individualização, personalidade, humanidade e culpabilidade.
A impossibilidade de progressão de regimes, imposta pela lei de Crimes Hediondos em seu artigo segundo, parágrafo primeiro, para os condenados por crimes por regidos, se mostra aderente aos princípios da legalidade, da personalidade e da culpabilidade, não carecendo maiores aprofundamentos.
Por outro lado, ao nosso entendimento, esta impossibilidade de progressão de regimes fere os dois dos princípios constitucionais basilares da pena privativa de liberdade, os princípios da humanidade e da individualização, além de ferir o princípio da proporcionalidade adotado pelo nosso ordenamento jurídico. Para o momento, porém, nos ateremos em analisar os princípios constitucionais violados, destacando, desde já, que ambos estão correlacionados.
O princípio da humanidade, é um dos mais importantes princípios pertinentes a pena, em nosso direito penal nacional, uma vez que este harmoniza os direitos fundamentais garantidos a todos com os que são vedados ao condenado com a segregação.
Assim, o princípio da humanidade garante aos condenados, independente do tipo e quantidade de pena, certos direitos que lhe alcançam o direito natural de vivência como ser humano.
O regime integralmente fechado, ao segregar uma pessoa por um longo período de tempo (durante toda a pena), sem que a mesma tenha qualquer perspectiva ou esperança, seja de abrandar sua pena, seja de voltar a ter os direitos que lhe foram suprimidos, está sendo levando a condições desumanas. Com isto, o condenado é comparando a certos animais que passam a toda vida a mantidos em cativeiro.
Tamanha a desumanidade se demonstra pelo fato de que, se um condenado passar toda a sua pena recluso e sem contato com o mundo exterior e com a sociedade, certamente não se readaptará a esta. Quando do fim de sua pena, o recluso estará, como um ser alheio aos acontecimentos sociais, bitolado à vida interna de uma penitenciária, na qual viveu fechado por, no mínimo, seis anos. Isto o faz deixar de compreender regras básicas de vivência em sociedade, o que lhe confere uma consciência desumana.
Já com relação ao princípio da individualização, esta, dentre outras formas, se dá através da progressão de regime na fase de execução. Sobre este princípios devemos considerar que "a lei regulará a individualização". Com isto se torna explícito que esta individualização deve ser regulada e não privada por uma lei.
A Lei de Crimes Hediondos, quanto a impossibilidade de progressão de regime, fere estes dois princípios constitucionais básicos relativos à pena. Por este motivo, a referida lei se demonstra inconstitucional, embora a situação política, criminal e carcerária atual em nosso país leve, infelizmente, nossos tribunais superiores a desconsiderarem estes princípios de imensurável importância.
O legislador ao vedar a progressão de regime para os delinqüentes que cometem os delitos hediondos e equiparados, esta abandonando toda a orientação principiológica (princípios da individualização, da proporcionalidade e da humanidade) resguardadas pela Carta Magna a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, evidenciando imposições, aos baseados nela condenados, uma única função retributiva, a qual representa uma regressão à idéia penal constituída anteriormente ao século XVIII, caracterizada como desumana e cruel.
2.1 Legislação Correlata ao Assunto.
Sendo que a lei de crimes hediondos não tem uma tipificação descrita entre seus artigos, para os crimes por ela regidos, a mesma se utiliza de tipificações existentes no Código Penal, em artigos que cita, além das tipificações existentes em leis esparsas.
Desta forma, a lei de crimes hediondos, se relaciona com as seguintes leis, diretamente: Lei 9.677/98, que regula os crimes contra a saúde pública (artigo primeiro, inciso VII – B), lei 2.889/56, regula o crime de genocídio (artigo primeiro, parágrafo único), lei 9.455/97, regula o crime de tortura (equiparado aos crimes hediondos – artigo segundo caput), leis 9.368/76, combinada com a lei 10.409/02, que regulam os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (equiparado aos crimes hediondos – artigo segundo caput) e lei 7.170/83, que diz respeito a lei de segurança nacional, a qual regula a prática de terrorismo (equiparado aos crimes hediondos – artigo segundo caput).
Além destas, o artigo 8º, da mesma lei, regulamenta uma forma qualificada para o crime de "quadrilha ou bando", regulada pelo artigo 288 do Código Penal, de forma que quando esta formação tiver o fim praticar crimes hediondos ou assemelhados a pena é aumentada.
Diante deste complexo de relações entre a lei objeto, código penal e as demais leis citadas, naturalmente as alterações que ocorrerem nos artigos deste código e nestas leis, repercutirão naquela. Corolário disso, podemos citar três leis que alteraram as tipificações utilizadas e refletem na lei 8072/90.
A lei 9.034, de 03 de maio de 1995, define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos tipificados no artigo 288, do Código Penal. Esta lei, em seu artigo 10, define que "os condenados por crimes decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado."(sic)
Já a lei 9.455, de 07 de abri de 1997, que regula os crimes de tortura, no parágrafo 7º, do artigo primeiro, determina que "o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado".(sic)
Diante destas duas leis que possibilitam a progressão de regimes para os crimes por elas regulados, que constam dentre os hediondos e equiparados, surge-nos uma discussão relacionada ao conflito legislativo existente, pois haveria a derrogação (revogação parcial) da lei em comento, ou seja, a lei 9.455/97 (e a lei 9.034/95, menos comentada, mas no mesmo sentido) revogou tacitamente o parágrafo primeiro do artigo segundo da mesma.
Com relação a assunto, é entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que
"A lei 9.455, de 1997 não revoga, por extensão, o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Esta não autoriza a progressão nos denominados crimes hediondos relativos ao terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, etc. Já aquela, consagra o benefício apenas (unicamente) para o delito de tortura." [34](sic)
Assim, os crimes de formação de quadrilha ou bando com o intuito da prática de crime hediondo e nos crimes de tortura, a execução somente iniciará em regime fechado, sendo permitida a progressão, porém, não sendo extensiva esta regra aos demais crimes hediondos.