quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

(Parte 1 de 2) Processo Penal – Aula 01

  • Conceito de Processo Penal
  • Características do Processo Penal
  • Princípios Norteadores do Processo Penal
  • Sistemas Processuais ( Acusatório, Inquisitivo e Misto)
  • Aplicação do Direito Processual Penal
1 – Conceito de Processo Penal
É importante, em qualquer tipo de estudo começar-se pela conceituação, para assim termos uma noção inicial do objeto que será estudado, seja ele qual for. E com o nosso estudo sobre Processo Penal não poderia ser diferente. Pode-se conceituar Processo Penal como sendo o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo1.
Porém, é de se anotar que tal conceito não expressa a amplitude real do Processo Penal. E isso se afirma pois é imprescindível para a atividade persecutória regulada pelo Processo Penal, a atuação da polícia, que realiza a atividade investigatória, e do Ministério Público, que pode funcionar como titular da ação penal ( dominus litis) ou apenas como fiscal da lei ( custos legis). Além do que, as pessoas que praticam os atos de investigação e os atos do processo, devem estar, conforme leciona Mirabete2legitimadas para realizar as atividades que se concretizem no procedimento.
Em outras palavras: o Processo Penal não se destina apenas a composição das lides penais, mas também à organização de toda a maquina administrativa envolvida na apuração das infrações penais.
Conceito mais completo de Processo Penal nos é fornecido por José Frederico Marques3 , que assim se expressava: Direito Processual Penal é o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares.
2 – Características do Processo Penal
O Direito Processual Penal é uma disciplina incontestavelmente autônoma, uma vez que possui objeto e princípios que lhes são próprios. Tem tal ramo do direito, como principal finalidade, possibilitar a realização da pretensão punitiva derivada da prática de um ilícito penal, ou , em outras palavras, tem como principal finalidade aplicar o direito penal. E por isso se diz que é uma disciplina instrumental, uma vez que constitui o meio do qual se vale o direito material penal para se fazer atuar.
3 - Princípios Informadores do Processo Penal

Considerações Iniciais

De extrema importância o estudo dos Princípios atinentes ao Processo Penal, por serem eles os elementos delineadores e diferenciadores de todas as disciplinas jurídicas. Não falaremos de todos os princípios apontados pela Doutrina, pois uns autores apontam uns, outros apontam outros, mas alguns sempre são citados por serem de extrema importância. Desses incontestáveis e basilares princípios é que falaremos .
Dos Princípios:
Princípio da Verdade Real: diferentemente do que ocorre com o Processo Civil, onde o juiz pode se conformar com a verdade formal para embasar sua decisão, no processo penal, em virtude da própria natureza dos interesses que estão em jogo, o juiz não pode prolatar uma sentença, seja ela absolutória ou condenatória, embasado apenas na já referida verdade formal, que é aquela verdade alegada pelas partes.
No Processo Penal, vige o princípio da Verdade Real, ou seja: o juiz tem, no Processo Penal, o dever de investigar como os fatos ocorreram realmente, e não pode se conformar com a verdade trazida aos autos pelas partes. Este princípio busca que o Jus Puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração e nos exatos limites de sua culpa, em uma investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes
O juiz, segundo o artigo 156 do Código de Processo Penal, poderá, no curso da instrução criminal ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre ponto relevante. Ou seja, a lei dá ampla liberdade para que o magistrado faça a busca da verdade real. Em outras palavras: decorre deste princípio o dever de o juiz dar seguimento à relação processual quando da inércia das partes.
Porém, a busca dessa verdade real sofre algumas limitações, a saber:
  • Impossibilidade de juntada de documentos na fase do artigo 406 do CPP.
  • Impossibilidade de exibir prova no plenário do Júri que na tenha sido comunicada à parte contrária com antecedência mínima de 03 dias. ( Art. 475 do CPP)
  • Inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos ( Artigo 5º, LVI da CF/88)
Princípio da Legalidade ou Obrigatoriedade:Este princípio determina que os órgãos incumbidos da persecução penal não possuem poderes discricionários para apreciar a conveniência ou oportunidade da instauração de processo ou inquérito. Ou seja, não cabe ao juiz, delegado ou promotor analisar a oportunidade ou conveniência das medidas necessárias ante a prática de uma infração penal. Em outras palavras: a autoridade policial, nos crimes de ação penal pública incondicionada é obrigada a proceder às investigações preliminares e o Ministério Púbico é obrigado a apresentar a respectiva denúncia, desde que ocorra um fato presumivelmente delituoso.
As ações penais públicas condicionadas à representação e privada representam uma exceção à este princípio, uma vez que em relação à elas, vige o princípio da oportunidade, segundo o qual o Estado confere ao titular da ação penal ( o particular, no caso) certa discricionariedade para iniciar ou não o processo conforme este ache conveniente ou oportuno.
Princípio da Oficialidade: Uma vez que a repressão criminal é função essencialmente Pública, do Estado, deve ele instituir órgãos que assumam a persecução penal. Ou seja, o Jus Puniendi ( Direito de Punir) do Estado deve ser satisfeito através de órgãos públicos, que compreendem, entre nós, a Policia Judiciária e o Ministério Público. A Ação Penal Privada também representa uma exceção a este princípio, pois neste caso será o ofendido que, através da Queixa- Crime, fará valer o Jus Puniendi
Princípio da Indisponibilidade do Processo: Este é corolário do princípio da obrigatoriedade, e vigora inclusive na fase do Inquérito Policial, pois uma vez instaurado o Inquérito, não poderá ele ser paralisado indefinitivamente ou arquivado. Assim, deste princípio se extraem as seguintes premissas: a autoridade policial não pode determinar o arquivamento do Inquérito Policial e o Ministério Público não poderá desistir da ação penal pública e nem do recurso interposto.
Vide artigos 17, 42 e 576 do CPP.
É de se asseverar que o referido princípio não vigora na ação penal privada, e na ação penal pública condicionada à representação se permite a retratação antes do oferecimento da denúncia. Alguns doutrinadores defendem que nos juizados especiais criminais também não vige o princípio da indisponibilidade, uma vez que nestes a Constituição permite a transação em matéria penal, nos casos de infrações de menor potencial ofensivo. Contudo, este ponto é bem divergido na doutrina.
Princípio da Publicidade: este princípio tem ligação direta com a humanização do Processo Penal e representa ma garantia para o indivíduo e para a sociedade. Tal princípio se opõe ao procedimento secreto, que é característica do sistema inquisitório ( sobre os sistemas processuais, falaremos ao final desta primeira aula). Em regra todos os atos processuais são públicos, porém, em alguns casos esta publicidade pode ser restringida pelos motivos apontados na lei. Sobre o princípio da Publicidade, assim preceitua nossa Constituição, em seu artigo 5º, LX: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.”
Ou seja: como regra, vigora entre nós a publicidade absoluta, mas esta poderá ser restringida pela lei. Tomemos como exemplo o artigo 792 do Código de Processo Penal. Este preceitua que as audiências, sessões e atos processuais são franqueados ao público em geral, porém, no seu parágrafo 1º, o referido dispositivo restringe a publicidade ao determinar que se da publicidade da audiência ou sessão ou do ato processual puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz ou tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.
A Lei de Tóxicos e o Princípio da Publicidade: O referido diploma legal prevê, em seu artigo 26, uma das mais expressivas exceções ao princípio da publicidade. O artigo 26 do referido diploma preceitua que os registros, documentos ou peças de informação, bem como os autos de prisão em flagrante e os de Inquérito Policial para a apuração de crimes ali tipificados serão mantidos em sigilo, ressalvadas as prerrogativas do Juiz, do Ministério Público, da Autoridade Policial e do advogado, de acordo com o que dispuser a legislação específica. Contudo, cabe salientar que depois de instaurada a ação penal, a manutenção do sigilo fica a critério do juiz, de acordo com o parágrafo único do dispositivo ora comentado.

Princípio do Contraditório: este princípio determina que o réu deve conhecer a acusação que lhe é imputada para que possa contrariá-la, e assim se evite de ser condenado sem ser ouvido. Ainda, segundo este princípio, o acusado goza de direito de defesa sem restrições, num processo que em deve estar assegurada a igualdade entre as partes.

Assevera Mirabete4 que deste princípio se originam a igualdade processual, ou seja, a igualdade de direitos entre as partes acusadora e acusada, que se encontram, segundo o doutrinador supracitado, no mesmo plano, e a liberdade processual, que consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o advogado que bem entender, de apresentar as provas que achar necessárias, etc...

O contraditório é indispensável no Processo Penal, pois nesta seara processual se exige a efetiva contrariedade à acusação como forma de se atingir os fins inerentes à jurisdição, e isso, segundo o Profº Fernando Capez5, só é possível através de uma absoluta paridade das armas conferidas as partes.

Contraditório e Inquérito Policial: este princípio não se aplica ao Inquérito Policial, pois em sentido estrito, este não compreende um ato da “instrução criminal”, e sim uma colheita de elementos que possibilitem a instauração do processo. A Constituição Federal assegura o contraditório apenas na “instrução criminal”, e segundo Mirabete, o CPP distingue claramente a instrução criminal do inquérito policial.
Instrução Criminal: artigos 304 à 405 do CPP
Inquérito Policial: artigos 4º à 23 do CPP.
Princípio da Presunção de Inocência: este princípio consagra a máxima segundo a qual “ninguém é culpado até que se prove o contrário”. Ou, tecnicamente falando: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Segundo o Profº Fernando Capez6, este princípio acarreta três conseqüências fundamentais, a saber:
1 – No momento da instrução processual, acarreta uma presunção legal de “não-culpabilidade”, invertendo-se assim o ônus da prova. Ou seja, cabe ao acusador provar a autoria e a materialidade da infração penal.
2 – No momento da avaliação das provas, estas deverão ser valoradas em favor do acusado, caso haja dúvidas.
3 – No curso do processo penal, tal princípio norteará o tratamento dado do réu, especialmente no que tange a análise da necessidade da prisão processual.
Este princípio, como bem leciona Mirabete7, vem sendo muito questionado, por poder ser interpretado de maneira errônea. De início, cumpre asseverar que não se trata de uma presunção absoluta, pois se assim fosse, nenhuma prova poderia provar o contrário, e nenhuma sentença penal condenatória teria o condão de fulminar o estado de inocência . A presunção de inocência é relativa, e portanto vulnerável à qualquer prova que tenha o condão de provar o contrário.
Em verdade, o que existe é um “estado de inocência”, uma situação jurídica, que não pode ser modificada até que se declare o contrário no instrumento jurídico hábil para tal ( no caso, a sentença penal condenatória). A doutrina alega que o melhor seria denominar este princípio de “Princípio da não-culpabilidade.” O estado de inocência, para a maioria da doutrina, não é afetado pela prisão processual, mas tão-somente pelo inscrição do réu no rol dos culpados.
Mas em se tratando de violação do presente princípio pela prisão processual, a discussão sempre será acalorada, além do que, a matéria de tal debate é condizente com aulas futuras, e por isso nos eximiremos de tratar de forma aprofundada deste tópico.
Para Saber Mais: Sobre a violação do princípio da presunção de inocência pela prisão processual, ver Súmula 09 do STJ.

Inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos: Modernamente se tem debatido muito sobre este princípio. E não sem razão, pois tudo que diz respeito da “prova no processo penal” deve ser discutido, estudado, dada a importância do tema. Muitos aspectos deste princípio se modificaram depois que foi introduzida em nossa legislação a Lei 9.296/96, que regulamentou a interceptação de comunicações telefônicas. Segundo o Profº Fernando Capez, antes da entrada em vigor da referida lei, a jurisprudência do STF já tinha se orientado no sentido de que, enquanto a matéria não fosse regulamentada pelo legislador ordinário, deveria ser considerada inconstitucional toda e qualquer prova obtida por meio de escuta telefônica, ainda que autorizada pela justiça. Muito se tem a falar deste princípio, porém, resolvemos abordá-lo de uma forma diferente. Ao invés de fazer um abordagem expositiva do tema, iremos, agora, trabalhar o tema através de atividade complementar.

Atividades Complementares
A - fazer, com base na obra do Profº Fernando Capez ( Curso de Processo Penal – Saraiva), um fichamento ( resumo) sobre o tópico “Inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos”, que deverá ser enviado ao professor por e-mail ou entregue no dia estabelecido para a primeira aula presencial.
B – Fazer atenta leitura da Lei 9.296/96 e em seguida listar os principais aspectos do diploma legal em questão.
( Não precisa reclamar, a lei é em curtinha)
E responder as seguintes questões:
1 – Qual a diferença entre prova ilícita e prova ilegítima ?
2 – Qual a tendência da doutrina e da jurisprudência no tocante às chamadas “provas ilícitas por derivação”?
3 – Como nossa Suprema Corte ( STF) trata a questão das provas ilícitas por derivação ?
4 – Na sua opinião, com base no exposto pelo Profº Fernando Capez, a intimidade de uma pessoa deve ser preservada a qualquer preço ?
5 – Fale sobre o princípio da proporcionalidade.
6 – O Princípio da proporcionalidade só pode ser usado em favor do réu ? Explique.

4 - Sistemas Processuais

Os tipos de processo penal, de acordo com as formas que se apresentam e os princípios que os informa se dividem em: Acusatório, Inquisitivo ou Misto. Cada um com suas particularidades e características. Vejamos cada um deles:
A – Sistema Acusatório: este é, em suma, contraditório, público, imparcial, assegura a ampla defesa, e distribui a órgãos distintos as funções de acusar, defender e julgar.Além do que, não é dado ao juiz iniciar o processo, pois a iniciativa do processo cabe à parte acusadora ( Ministério Público ou a Vítima).
Modernamente, tal modelo implica o estabelecimento de uma verdadeira relação processual, com o chamado Actum Trium Personarum, que é a relação jurídica processual onde se colocam em pé de igualdade o autor, o réu, e sobrepondo-se à eles, como órgão imparcial de aplicação da lei, o juiz.

Gráfico Ilustrativo do Chamado “Actum Trium Personarum”

Juiz

Autor Réu

Cabe-nos expor ainda, que nesse sistema o juiz não participa da fase de colheita de provas preliminares, pois assim sua imparcialidade seria afetada. NO sistema acusatório. A fase investigatória fica à cargo da Polícia Civil, sob o controle externo do Ministério Público, que uma vez terminada a colheita de provas oferecerá denúncia ou irá requerer o arquivamento do Inquérito Policial. A autoridade judiciária não atua como sujeito ativo na produção de provas, e fica resguardado de qualquer comprometimento psicológico prévio.

( Vide artigo 28 do CPP)

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