Não há dúvidas, em um Estado Democrático de Direito o
estudo do processo penal deve começar do texto constitucional. A Carta
Magna define o sistema processual adotado e, também em razão disto,
revela ao legislador e ao interprete as garantias mínimas que devem ser
reservadas para aqueles sobre os quais recai a persecução penal. No
ordenamento jurídico brasileiro, a necessidade da leitura constitucional
do processo penal fica ainda mais evidente quando se atenta ao fato de
que o principal diploma processual vigente é anterior (1941) à atual
ordem constitucional (1988).
Em vigor, o Código de Processo Penal é de 1941, tendo
sido inspirado na legislação processual penal italiana da década de 30,
ou seja, é baseado em um modelo jurídico fascista, portanto,
ditatorial. Apesar de já ter sido alterado inúmeras vezes, no que o
deixa parecido a uma verdadeira “colcha de retalhos”, o Código de
Processo Penal ainda possui parte considerável de seus institutos
baseada em um modelo autoritário, de natureza explicitamente
inquisitiva.
A Constituição Federal de 1988 instaurou um modelo
constitucional democrático, alterando profundamente a perspectiva e os
limites de vários institutos que se relacionam ao processo penal. Nesse
contexto, a persecução penal, como instrumento de aplicação da ultima ratio
do Estado (direito penal), passa a tratar o imputado não mais como
objeto de prova, mas como sujeito de direitos. Na nova ordem
constitucional, a tutela jurisdicional aplica a lei penal através de
um processo racional que observa os direitos humanos, materializados no
texto constitucional no rol de garantias individuais previsto no artigo
5º da Constituição.
Por essas razões, aqui analisadas de forma sucinta e
objetiva, é fundamental realizar o estudo do processo penal a partir dos
princípios previstos na Constituição Federal de 1988. Assim, é dado ao
processo penal instrumentalidade constitucional, disciplinando o
exercício do poder jurisdicional do Estado, bem como a relação jurídica
processual das partes processuais, sob à luz das garantias fundamentais
previstas na Constituição Federal. De acordo com a doutrina, com essas
bases dogmáticas, desenvolve-se o chamado processo penal constitucional.
A Constituição Federal, dentre a matérias clássicas
que compõem o seu núcleo intangível (cláusulas pétreas), prevê os
direitos e garantias fundamentais do homem, potencialmente valorizados
pelo constituinte. Essa valorização do homem, peculiar do sistema
democrático, leva à necessidade de protegê-lo contra o Estado
arbitrário, que se faz presente todas as vezes que atua desrespeitando
garantias humanas mínimas. Assegurando a efetividade das garantias
constitucionais, o processo penal limita o poder de punir de Estado,
impedindo a sua arbitrariedade. Por exemplo, impede a condenação de
alguém sem o exercício da ampla defesa e do contraditório; torna nulo um
decreto prisional que não esteja fundamentado; invalida uma condenação
que notadamente contraria as provas produzidas nos autos da ação penal,
etc.. Ao assegurar o respeito a todas as garantias fundamentais
previstas na Constituição, o processo penal se torna um instrumento que
legitima o poder de punir do Estado.
Desse modo, o exercício do direito de punir (jus puniendi)
pelo Estado, em relação a alguém acusado de cometer um crime, só é
legítimo (constitucional) quando amparado por um devido processo que
efetive as garantias fundamentais previstas na Constituição. Estas
garantias, que estão previstas no artigo 5º da Carta Magna, formam um
conjunto de princípios gerais que sustenta a base do processo penal,
orientando a criação, interpretação e aplicação das regras processuais. A
doutrina, em sua maioria, destaca quatro importantes princípios,
retirados das garantias constitucionais, que de forma global estruturam o
processo penal: juiz natural, presunção de inocência, contraditório e
ampla defesa.
Portanto, o processo penal é um verdadeiro sistema de
garantias, o que ressalta a importância de iniciar o seu estudo a
partir dos princípios constitucionais, que devem ser observados, por
exemplo, nas regras que disciplinam a investigação policial, ação penal,
prisões provisórias, sistema de provas, decisões judiciais, etc..
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