terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Escolas ainda rejeitam alunos autistas

Carlos (nome fictício) tentou matricular o filho com autismo no tradicional Colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo. Foi barrado. "Disseram que não poderiam fazer a matrícula porque só aceitavam uma criança (com deficiência) por série", afirmou. Casos assim não são os únicos a serem enfrentados por estudantes com transtorno do espectro autista.   A Defensoria Pública acumula mais de 500 procedimentos administrativos relacionados ao tema. Há ainda um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Estadual (MPE) em março de 2013 que apura a política desenvolvida pela Secretaria Estadual da Educação para crianças e adolescentes com autismo.   Alguns dos episódios foram parar na Justiça. Outros oito casos, como o de Carlos, são investigados pelo MPE. Promotorias de Educação de outros Estados, como Pernambuco e Rio Grande do Sul, também já registraram casos semelhantes. Após dois anos da sanção da Lei Berenice Piana, que garante acesso à educação às pessoas com autismo, continuam os episódios de recusa de matrícula.   Carlos chegou a afirmar que designaria um cuidador para o filho, mas mesmo assim ouviu que precisaria de uma "avaliação de uma comissão interna" do colégio, o que não foi finalizado até o término do prazo para matrículas. A conversa é confirmada em troca de e-mails entre o pai e um funcionário do colégio. A recusa motivou o pai a registrar boletim de ocorrência. Foi a aberto ainda inquérito no Ministério Público Estadual.   O Colégio Marista Arquidiocesano informou que há condições ideais para trabalhar com alunos com autismo em uma escola de ensino regular. "Quando conversamos com as famílias que nos procuram, afirmamos, explicitamente, que o cuidado com a criança não nos permite aceitar aleatoriamente a matrícula, pois isso caracterizaria uma negligência para com o aluno com deficiência. O limite, portanto, não é estabelecido pela escola, mas pelas necessidades das crianças que merecem cuidados especiais."   Em geral, os motivos alegados por colégios para a recusa vão desde a falta de preparo dos professores à impossibilidade de contratar profissionais para o auxílio dos alunos. O descumprimento da lei leva a multa de três a 20 salários mínimos e até perda do cargo.   Nas particulares, a recusa pode configurar crime com pena de até quatro anos de prisão, com base na Lei 7.853, de 1989. "Eles (os pais) estão em uma busca desesperada pela escola. Vão bater de porta em porta", diz o promotor João Paulo Faustinoni, do Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc).   POUCOS PROCURAM A JUSTIÇA   Na Promotoria de Educação do Recife (PE), por exemplo, houve oito casos de recusa de matrícula desde 2013 na rede privada. Segundo a promotora Eleonora Rodrigues, as escolas costumam "criar" regras de aceitar no máximo um ou dois alunos por sala. "Não existe esse fundamento legal."   Eleonora explica que a recusa é "sutil" e dificilmente é levada à Justiça. "É um público muito receoso. Existe falta de cultura no Brasil de se exigir o que está na lei." Apesar dos dispositivos legais, nenhum dos três promotores ouvidos souberam informar se algum diretor ou servidor já foi punido.   Em 2012, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) questionou a obrigação das escolas particulares de atender o aluno com necessidades especiais, alegando que o custo seria repassado à mensalidade. O argumento foi repudiado por entidades ligadas ao direito das pessoas com deficiência.   ENTRAVE DAS 'FILAS' E TRANSPORTE ESPECIAL   Desde 2011, Ana Rita Alves dos Santos não consegue vaga para o filho Caíque, que tem autismo. Na época, o menino que hoje tem 6 anos estava na fila para entrar na creche. Cadastrada há três anos na Secretaria Municipal de Educação (SME), Ana Rita não tem preferência por nenhuma escola. "Parei de trabalhar para cuidar do meu filho, está sendo muito difícil."   A mãe entrou, neste ano, com pedido na Defensoria Pública para cadastrar o filho em uma instituição. A SME disse que o aluno tem prioridade de atendimento no distrito Capão Redondo, mas ainda está em quinto na fila. Ao Estado, a pasta informou que surgiu uma vaga "em 19 de abril", que não foi preenchida. Ana Rita afirmou que nunca foi avisada. Agora, como Caíque cursará o 1.º ano, a mãe deverá fazer nova solicitação.   Para a defensora pública Renata Flores Tibyrissá, coordenadora do Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência, os problemas na rede pública se intensificam. "Eles (os pais) não vão reclamar ou fazer boletim de ocorrência contra a escola pública. Eles vêm pedir uma vaga, não importa onde."   Neste ano, Renata defendeu dissertação de mestrado em que analisou casos que recebeu. Ela constatou que em 88% das vezes os alunos não dispõem de transporte especial para serem levados ao colégio, o que aumenta a evasão escolar.   SERVIÇO   Centro Conviver: Unidade I: Rua Margaida Dallarme, 151 Santa Felicidade. Curitiba PR. Fone: (41)3273-3047 Unidade II: Rua Nilo Peçanha, 380 Bom Retiro Curitiba PR. Fone: (41) 3022-3047 www.centroconviver.com.br   UNIPP- Unidade de Neurologia Infantil Pequeno Príncipe Av. Iguaçu, 1458 Água Verde. Curitiba PR. Fone: (41) 3310-1338 www.neuropediatria.org.br   SINAIS DEVEM SER DETECTADOS CEDO   - O autismo é um transtorno crônico que impõe desafios diários tanto a portadores como a seus familiares.   - No entanto, embora não exista cura, há vários tratamentos, que incluem intervenções psicoeducacionais, orientação familiar e desenvolvimento da linguagem, capazes de amenizar os sintomas e melhorar o convívio social. Em alguns casos, portadores com quadros mais amenos, como os com Síndrome de Asperger, tornam-se adultos independentes e bem-sucedidos.   - Mas, para elevar essa chance, é importante que o diagnóstico seja o mais precoce possível, dando início logo ao tratamento. Por isso, pais devem ficar atentos aos primeiros indícios, como falta de contato visual, quietude excessiva e ausência de expressões, já detectáveis a partir de cerca dos seis meses.   Confira-os, por faixa etária.   De seis a 18 meses de idade - Contato visual limitado. Exemplo: olha as pessoas com o canto dos olhos ou por um espelho. - Não segue o olhar. Ex: não imita o pai quando ele vê as horas no relógio. - Ausência de expressão de felicidade ao ver os pais. - Raramente balbucia ou faz gestos como apontar ou acenar. - Não reconhece ou responde à voz dos pais, mas está ciente de outros.   Crianças pré-escolares - Atraso (ou falta) de desenvolvimento de linguagem e comportamentos físicos repetitivos, como ficar balançando o corpo. - Brincadeiras repetitivas ou preferência por objetos domésticos, como canetas e chaves. - Pode brincar sozinho por horas, sem supervisão. - Pouco interesse em interagir com outras crianças ou comportamento inadequado, como tentar beijar ou bater em colegas. - Menos sensibilidade a dores que levariam outras crianças a procurarem os pais. - Antipatia a alimentos por causa da cor ou textura.   Crianças em idade escolar - Dificuldades de linguagem, como referir-se a si mesmo como você ou ele/ela, em vez de eu; repetição constante de palavras recém-ouvidas; falar sempre as mesmas frases, e incapacidade de participar de uma conversa a menos que seja sobre um tema específico de interesse. - Problemas de interação social, como não ter interesse por atividades populares entre outras crianças (música, esporte) e não perceber que a relação com o professor é diferente daquela com o colega de classe. - Predileção por comportamento rígido e previsível, que, se alterado, pode resultar em birra e revolta.

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