quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

(Parte 1 de 4) Ciências Crminais Princípios Constitucionais penais e teoria do delito

Ciências Criminais Princípios Constitucionais penais e teoria do delito


Leitura Obrigatória PROFESSOR: LUIZ FLÁVIO GOMES

Aula 1: síntese histórica das ideias penais e direito penal e constituição; Aula 2: princípios constitucionais penais; Aula 3: teorias do delito e teoria constitucionalista do delito; Aula 4: tipo, tipicidade material e tipicidade conglobante; Aula 5: resultado jurídico, imputação objetiva, imputação subjetiva e imputação pessoal.

 TEORIAS DO DELITO E TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO

1. Evolução do conceito de delito
Durante o século X foram desenvolvidos muitos conceitos de delito. Os principais são: a) o causal-naturalista (ou causalista); b) o neokantista; c) o finalista; d) o funcionalista teleológico ou teleológico-racional (Roxin); e) o funcionalista sistêmico (Jakobs).
No Brasil, até 1970, predominou a teoria causalista do delito (Bento de Faria, Nélson Hungria, Basileu Garcia, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Paulo José da Costa Júnior etc.). Dessa época até hoje, passou a preponderar a teoria finalista (Mestieri, Dotti, Toledo, Damásio, Mirabete, Fragoso, Tavares, Cirino dos Santos, Bitencourt, Prado, Capez, Greco, Queiroz, Nucci.
A integração sistemática entre Constituição, Política criminal e Direito penal deve nos conduzir a reestruturar a própria teoria do delito, que já não pode ser compreendida e ensinada desde a perspectiva puramente legalista (ou formalista). O Direito penal, sendo o instrumento mais poderoso de exercício do poder, não pode ser estruturado exclusivamente no texto legal, senão também com os limites e restrições impostos pela ou derivados da Constituição.
1.1. Teoria causalista ou causal-naturalista
Essa primeira teoria do delito se deve a von Liszt e Beling e enfocava a conduta como simples movimento corpóreo de fazer ou não fazer. O crime, naquele tempo (final do século XIX e princípio do século X), era dividido em duas partes: objetiva e subjetiva.
• Parte objetiva: era constituída da tipicidade e da antijuridicidade. A tipicidade, como se sabe, foi desenvolvida por Beling, em 1906;
• Parte subjetiva: era a culpabilidade, que consistia no vínculo do agente com seu fato que se dá pelo dolo ou pela culpa. Como se vê, nesse período, dolo e culpa faziam parte da culpabilidade.
1.2. Teoria neokantista1
Ciências Crminais Princípios Constitucionais penais e teoria do delito- A ula 03
Dentre as inúmeras diretrizes que tentaram superar o formalismo legalista do positivismo jurídico deve ser destacado o neokantismo por sua significação metodológica e particular incidência na Ciência penal. O finalismo, em seguida, foi não só reação ao formalismo positivista como ao próprio neokantismo. A Escola de Kiel (que foi sustentada pelo nazismo), não quis superar o positivismo, senão o próprio Direito penal, instrumentalizando-o para atingir suas finalidades autoritárias.
Essas três correntes penais foram marcadas pelo: • método teleológico neokantista em que o Direito penal existe para a proteção de valores; • ontologicismo, no qual o Direito penal deve ter como premissas básicas algumas estruturas lógicas que vinculam o legislador e • método intuitivo (irracionalismo da Escola nazista).
O formalismo a que se reduziu o positivismo jurídico (de Binding e de Rocco) é o seu ponto mais crítico. O positivismo jurídico − que considerava a “lei” como puro “factum” − reafirmou a substantividade jurídica da função penal, rendendo homenagem à segurança jurídica e levando a extremos de precisão a análise sistemática do delito. Mas padeceu de um excessivo formalismo, de sutilezas, de abstração, que separaram o Direito da realidade. Talvez isso tenha ocorrido pelo evidente mimetismo das técnicas do Direito privado, isto é, por ter se valido dessas técnicas sem sentido crítico. A maior preocupação dos positivistas era construir um sistema lógico, um verdadeiro palácio do Direito. Não procuravam (prioritariamente) alcançar a justiça em cada caso concreto, senão a construção de um sistema lógico.
O positivismo jurídico enfocou o delito de forma equivocada e insatisfatória. As três categorias fundamentais do delito até então admitidas (ação, antijuridicidade e culpabilidade), com efeito, eram descritas - segundo a perspectiva da teoria causalista da ação - de forma não consistente.
A ação, no esquema positivista causalista (ou causal-naturalista), era concebida como movimento corporal que produzia uma determinada modificação no mundo exterior. Essa concepção naturalista da ação não podia explicar, por exemplo, a omissão, pois a essência desta não é naturalista, senão normativa. Omitir não significa “não fazer”, senão “não fazer o que o ordenamento jurídico espera” que seja feito; a omissão implica uma referência à “ação esperada”, uma valoração que emana da lei. No crime omissivo o sujeito responde não porque simplesmente omitiu, mas sim, porque não praticou a conduta esperada e determinada pelo ordenamento jurídico.
O mesmo acontecia com a antijuridicidade, que era isenta de todo significado valorativo (aliás, desvalorativo) no esquema positivista. A antijuridicidade expressaria só uma relação lógica de contradição entre o fato acontecido e a norma concreta considerada, mas sem carga de desvalor algum, neutra (concepção formal da antijuridicidade). Mesmo quando, posteriormente, admitiu-se a concepção material da antijuridicidade, com a inclusão do bem jurídico na teoria do delito, pouco mudou, porque o bem jurídico foi compreendido em termos naturalísticos1 e a antijuridicidade passa a ser o perigo ou lesão do bem jurídico, no sentido de causa de um perigo ou de uma lesão, isto é, no sentido naturalístico. Dessa forma, não poderiam ser compreendidos, por exemplo, os denominados requisitos subjetivos do injusto, pois se o decisivo era a lesão ao bem jurídico, esta era independente de tais requisitos; e, em conseqüência, teria que considerar antijurídica toda ação contrária ao bem jurídico, embora não concorresse o especial ânimo requerido pela lei.
Finalmente, o esquema positivista admitiu (no momento da configuração da culpabilidade) a supremacia psicológica. Com efeito, aparecia a culpabilidade como nexo psicológico (anímico) entre o autor e o fato antijurídico (teoria psicológica da culpabilidade); o dolo e a culpa eram suas espécies, isto é, a forma pela qual o agente se vinculava com seu fato. Imputabilidade e dolo e culpa eram os requisitos da culpabilidade.
De acordo com essa concepção subjetivo-descritiva da culpabilidade o crime conta com duas partes: uma objetiva e outra subjetiva: à primeira pertencem a tipicidade e a antijuridicidade e à segunda a culpabilidade, que abarca tudo que se refere ao plano subjetivo e que permite descrever a relação psicológica entre o sujeito e sua ação antijurídica. Tal concepção, porém, não explicava a imputabilidade nem as causas de exclusão da culpabilidade que não afetam a relação psicológica mencionada; nem explica a culpa ou a culpa inconsciente, onde falta
1 Interesse da vida que devia se constatar empiricamente (Liszt, 1884).2
Ciências Crminais Princípios Constitucionais penais e teoria do delito- A ula 03 necessariamente toda relação espiritual entre autor e fato.
Na visão neokantista, a ação deixa de ser entendida como mero movimento corporal em sentido naturalístico para se destacar seu significado social: prefere-se falar em comportamento humano ou de conduta e não mais só de ação. Radbruch (1904, Ûber den Schuldbegriff) destacaria a impossibilidade de utilizar um superconceito (Oberbegriff) de ação que abarcasse a ação e a omissão. A concepção meramente descritiva, neutra e objetiva da tipicidade, de outro lado, não se coaduna com a descoberta dos requisitos normativos e subjetivos do tipo. A crítica dos neokantistas ao conceito naturalístico de ação tem procedência. Tal como concebida, não explicava no Direito penal a omissão.
A antijuridicidade deixa de ser concebida como expressão lógica de uma contradição entre a conduta e a lei, quer dizer, em seu sentido formal. Passa a ser admitida como danosidade social, com ajuda do conceito do bem jurídico.
Com isso, as relações entre tipicidade e antijuridicidade são entendidas de outra maneira: aquela não é a descrição neutra de um processo externo, senão a concreção das características essenciais do injusto: os tipos penais são tipos do injusto. A antijuridicidade, junto com a culpabilidade, serão as duas características materiais do delito, enquanto a tipicidade − antes, de igual categoria que a antijuridicidade − conservará exclusivamente uma função formal de garantia.
A concepção neoclássica, própria do método teleológico dos neokantianos, conduziu a uma configuração não só psicológica da culpabilidade, senão também normativa”. Em outras palavras, a culpabilidade é vista também como reprovação. Isso permitia explicar a culpabilidade nos casos onde falta o nexo psicológico entre o autor e o resultado, e viceversa: fundamentar a ausência de culpabilidade, apesar da existência de referido nexo psicológico. Assim, por exemplo, Quem falsifica uma assinatura ameaçado por uma arma na cabeça atua dolosamente em relação ao falso, mas não podia agir de modo diferente. Há vínculo psicológico entre o agente e a conduta (há dolo), mas não há exigibilidade de conduta diversa, ou seja, não há culpabilidade, não há reprovabilidade, em razão da coação moral irresistível.
Fundamentalmente, a transformação da culpabilidade de “psicológica” para “psicológiconormativa” deve-se a Frank que, em 1907, descobriu o requisito da exigibilidade de conduta diversa. Esse mesmo requisito foi posteriormente aprofundado por Goldschimit e Freudental.
1.3. Teoria finalista
O neokantismo foi uma resposta à estreita interpretação da realidade penal levada a cabo pelo positivismo naturalista. O neokantismo reagiu contra o causalismo e o finalismo lançou suas críticas contra o neokantismo. A fenomenologia, para a qual o Direito penal deve partir de algumas premissas pré-estabelecidas (a ação é finalista, a culpabilidade é normativa etc.), constitui a essência do finalismo. E é, por sua vez, uma resposta ao unilateral ponto de vista teórico-cognoscitivo do neokantismo.
A doutrina finalista aparece nos anos trinta do século X, quando se achava em pleno auge o neokantismo. O pensamento finalista foi uma resposta à obra de Schwinge: Teleologische Begriffsbildung im Strafrecht, publicada em 1930, que é produto e culminação do pensamento neokantiano.
A obra que iniciou a corrente finalista foi Kausalität und Handlung (Causalidade e Ação), de
Hans Welzel, cujas idéias se concretizam posteriormente em outros artigos e monografias2. A incidência delas na sistemática penal viria a ocorrer em 1939, ano em que Welzel publica seus Studien zum System des Strafrechts (Estudos sobre o sistema do Direito penal).
A ação, para Welzel (1939), é, ao mesmo tempo, causal e final. Às ciências naturais interessa a ação como fenômeno do mundo natural, como fato causal. Mas ao Direito, que pertence à ordem do pensar, só interessa a dimensão ou aspecto final enquanto essência da ação, imanente à mesma.
2 Über die Wertungen im Strafrecht: sobre as valorações no Direito penal (1932) e Naturalismus und Wertphilosophie im Strafrecht: sobre Naturalismo e Filosofia dos valores no Direito penal (1935)3
Ciências Crminais Princípios Constitucionais penais e teoria do delito- A ula 03
É interessante destacar − mais do que o conceito de ação ou de culpabilidade em Welzel − a repercussão metodológica que têm as estruturas lógico-objetivas welzelianas. Estamos nos referindo ao caráter vinculante delas, que operam (ou deveriam em sua concepção operar) como limite ao próprio legislador, e não simplesmente para integrar as lacunas (interpretação) do Direito positivo. No tempo de Welzel notava-se muito abuso do Direito penal, e ninguém falava em limites ao legislador. Todo o sistema finalista de Welzel foi construído sobre essa base: o Direito penal possui certas premissas que devem ser reconhecidas pelo legislador.
Em suma, segundo o finalismo, as estruturas lógico-objetivas (da ação e da culpabilidade), portanto, limitariam a vontade do legislador, que deixaria de ser absolutamente livre.
O finalismo de Welzel, entretanto, apesar do seu evidente direcionamento para o objetivismo ontologicista, não conseguiu uma efetiva superação do positivismo legalista. Isso, talvez, fosse sua meta inicial, mas não foi alcançada. Nem Welzel nem seus seguidores conseguiram transformar o Direito penal formalista do século X em instrumento que pudesse fazer justiça em cada caso concreto.
Apesar de o finalismo partir da existência de certos conceitos ou realidades pré-jurídicas, como a ação final e a capacidade de autodeterminação do ser humano conforme seus fins, não conseguiu a desejada aproximação com a realidade concreta, ficando ancorado nas referidas estruturas lógico-objetivas, sem transcendê-las. Se de um lado seu método dedutivo axiomático faz derivar as soluções jurídicas dos dados ontológicos mencionados, de outro, acentua a importância do pensamento abstrato-sistemático. Com razão os penalistas da Escola de Kiel (Segunda Guerra Mundial) afirmavam que “Welzel proporcionou à dedução lógico-dogmática uma força desconhecida desde os tempos de Binding”.
Com base na doutrina finalista também foi possível construir um Direito penal positivista legalista, pouco preocupado com a solução justa do caso concreto. Aliás, de todo enfrentamento entre os neokantistas e positivistas ou mesmo entre finalistas e positivistas, dois aspectos ganham relevância: o isolamento do Direito penal diante da realidade e o desenvolvimento teórico do Direito penal, que foi muito superior aos outros ramos do Direito.
A causa principal de uma relativa aceitação do finalismo pela jurisprudência e doutrina clássicas no Brasil foi, então, a seguinte: perceberam depois de um certo tempo que mesmo adotando o finalismo ainda era possível conviver com o positivismo legalista, com os ditames da lei.
Na teoria do delito, várias foram as repercussões do finalismo de Welzel: o dolo e a culpa, como dados integrantes da ação, passaram a fazer parte do tipo (leia-se: do fato típico). Deixaram de integrar a culpabilidade, que se transformou em puro juízo de censura, de reprovação. Eliminados os requisitos subjetivos da culpabilidade, nela somente restaram requisitos normativos: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude e c) exigibilidade de conduta diversa.
Todos esses requisitos são normativos porque devem ser aferidos pelo juiz. Nem a imputabilidade nem a consciência da ilicitude, que se acham na cabeça do agente, devem ser enfocados desde essa perspectiva. Cabe ao juiz examinar em cada caso concreto se o agente tinha capacidade de entender ou de querer e, ademais, se tinha possibilidade de ter consciência da ilicitude, ainda que seja nos limites de sua capacidade de compreensão do injusto - numa “valoração paralela na esfera do profano” (Mezger, Tratado de derecho penal, trad. de 1955), isto é, valoração do injusto levada a cabo pelo leigo, de acordo com sua capacidade de compreensão.
O dolo e a culpa integram a tipicidade ou contariam com dupla posição, isto é, estariam na tipicidade e também na culpabilidade?
1.4. Atuais tendências do Direito penal no plano dogmático (orientações teleológicas e funcionalistas − Roxin e Jakobs)
O Direito positivo, o mundo dos valores (reconhecidos desde a perspectiva de quem conhece a realidade) e a esfera ontológica constituíram o centro de gravidade da evolução do sistema 4
Ciências Crminais Princípios Constitucionais penais e teoria do delito- A ula 03 penal, até a década de sessenta.
Os três momentos mais significativos da dogmática penal, conseqüentemente, até então, foram: o positivista naturalista (teoria causal da ação); o neokantiano (teoria dos valores) e o finalista (teoria finalista da ação); respectivamente. Em outras palavras, as três etapas mais significativas da teoria do delito até a década de sessenta foram: o causalismo, o neokantismo e o finalismo.

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